segunda-feira, 30 de março de 2009

Pensão de amor


A legislação brasileira muda na rapidez da sua burocracia quando o assunto é família. A novidade mais recente (porém esperada há anos) é a guarda compartilhada, que ainda deve ganhar diversos contornos quando se tornar realidade nas casas de filhos de pais separados ou que não vivem juntos. Acordos serão feitos e filhos serão beneficiados. Não há dúvida de que compartilhar significa dialogar e um diálogo entre seres que, em algum momento tiveram um filho juntos, não pode ser impossível (às vezes, é). Todos sairão ganhando e, em especial, os pais, que na Justiça ainda perdem mais do que ganham na hora de disputar a participação na educação dos filhos.
Esta foi a solução, por enquanto, mais razoável para participar todos os envolvidos na educação de uma criança. Mas e quando uma das partes simplesmente não está nem aí? Não quer registrar? Ou se registra, não quer nem saber? Se dá a pensão, não dá o amor?
Este, para mim, são os casos mais graves. Enquanto pais e avós disputam para ver quem quer ficar mais tempo, me dói conhecer crianças maravilhosas cujos pais e as mães oferecem bem menos do que é possível imaginar.
Já existe na Justiça decisões favoráveis para casos de abandono afetivo. Sim, senhores e senhoras, se você colocou no mundo, é obrigado a colaborar e não é só financeiramente. É obrigado a colocar amor no tempero, a estar presente, a entender e a doar tempo, afeto ou qualquer coisa que uma alma rasa possa dar.
Amor não é compulsório, é construído, mas nunca falta quando há desejo.
Para amar um pequenino não é preciso amar mais o outro que também faz parte desta história, não é preciso nem conviver.
O outro é um adulto, passível de abandono, de queixas, de raiva e de tudo mais. É com ele que devem ser resolvidos estes problemas.
Com os pequenos, é só ajustar os constrangimentos, enfiar a cara e assumir todas as responsabilidades!
Para aqueles que não o fazem, resta a vergonha e, se for necessário, os processos morais pelo que não fizeram.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Achados e perdidos


“Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria...Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegriasozinhos...Essa... a alegria que ele quer.”
Guimarães Rosa


Nestes dias, em que completamos anos e estamos por perto da família e dos amigos, a gente naturalmente fica saudoso de quem não está por perto. Daí a memória, sempre ela, nos faz lembrar do tempo que passou. Tenho me lembrado muito dos meus domingos de agosto na infância distante.
Depois que o meu pai morreu, no ano passado, eu e uma grande amiga fomos escarafunchar no maleiro do quarto dos meus pais.
Meu pai adorava jornais, moedas, procurações indevidas, eletroeletrônicos antigos, bobajada que não tem preço, nem endereço... Mas, algumas, tão parecidas com ele, que meus olhos marejaram. Era olhar e ver seu rosto, suas pastas, seus guardados preciosos.
No meio da bagunça, encontramos uma vitrola já muito velha, que talvez o cupim não nos deixe resgatar. Meu filhote, participante ativo de qualquer faxina, fez uma declaração muito pertinente.
- Puxa! O vovô era muito rico!
- Por que, filho?
- Ele tinha tanta coisa...
E tinha mesmo. Tinha manias esquisitas, uma doença que comeu seu cérebro, um olhar cor de folha seca e um jeito de amar para sempre que nada derrubava.
Lá no meio dos achados onde ele se perdeu tinha um quadrinho de cortiça, com paspatour branco e moldura de madeira. Gravadas com tinta preta duas mãozinhas rechonchudas com a minha assinatura. Mais adiante uma capa de couro artesanal para um livro muito lido, mas cujo conteúdo pouco interessava. O que tinha para ser guardado estava por fora, o desenho da flor, o nome de cinco letras, a lembrança.
Meu pai adorava datas e quinquilharias, bem diferente da minha mãe, que só agora guarda alguma coisa. Ele tinha apego por estes momentos raros de possibilidade de harmonia familiar.
Não ostentava e pouco ligava para a utilidade das coisas. Aliás, por predileção mesmo, adorava algo inútil e guardava.
Não reconheci de imediato esta característica em mim. Mas no meu baú de guardados tem um peão de madeira, uma tira do Garfield, um cachimbo usado e um tipo de mini-poster (muito usado nos anos 80) com uma figura e uma frase do Chaplin que meu pai me deu. Tem os negativos da fotos que ele insistia em tirar sem pose e tem um chapéu, que não quis largar minha mão no dia do seu enterro.
Perdemos o dia, a pessoa, o beijo e o abraço e ficaram os presentes. No próximo dia dos pais, vou levar para ele flores. Não sei se ia gostar, mas ia adorar a lembrança, saber que estamos em paz e que a gente pensou nele todos os dias desde que se foi.

terça-feira, 24 de março de 2009

Me lembro do dia em que peguei o exame de gravidez positivo em minhas mãos. O papel mais importante da minha vida e eu não conseguia ler. Não que eu não tenha aberto. Sou mais curiosa do que medrosa. É que na hora não entendia os sinais de ≤ e ≥. Precisei de ajuda. O duro foi explicar para uma amiga o símbolo e o que dizia o exame por telefone. Consegui, alguns minutos depois, compreender que era positivo e que seria mãe. Fiz uma longa viagem de carro, seguida de uma viagem na minha mente de incertezas sobre aquela chegada. Alguém, bem pequenino, chegara na minha vida naquele instante e estava instalado dentro de mim.
Esta história vem na minha cabeça agora que outra amiga ficou sabendo que alguém mais vai chegar na sua família. Uma destas tradicionais famílias que, de forma planejada, terá o seu segundo filho e, nem por isso, não vive as incertezas e os medos que uma nova vida geram. Mas, por estarem esperando, podem comemorar de imediato, porque foram abençoados em seus desejos e vão ganhar um filho, um irmão, que reforça os laços entre eles e os torna ainda mais uma família. É por isso que o sinal usado, em exames positivos, é o ≥, porque os sentimentos, as emoções, as expectativas, tudo fica realmente maior... Se eu soubesse disso há 5 anos atrás, teria poupado dúvida.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Descanso na loucura


Quando engravidei, em 2003, ainda vivia na casa dos meus pais, apesar de trabalhar desde os 18 anos e viver mais fora do que dentro. O resultado positivo no exame trouxe um grande anseio, o anseio de construir o meu espaço. Como não me casei, juntei ou coisa parecida, sei que muita gente esperava que eu ficasse com os meus pais, como acontece na maioria dos casos. Mas, desde o dia do tal exame, eu sabia que tinha achado a chave para sair e para fazer o meu lar. Ao contar isso para minha mãe, vivemos momentos de muita angústia. Ela não queria que eu fosse embora, ainda mais com uma criança no ventre. Achava que a saída seria mais vista como uma expulsão do que como uma escolha, mas expliquei que era o necessário e, relutante, ela me acompanhou na construção desta saída.
Com 20 dias de nascido, Tomás ganhou uma casa nova e eu também. Foi e é uma aventura para ambos. A rotina, as contas, os momentos de solidão são um grande desafio sempre. Logo no começo, quando o dia amanhecia, saíamos eu e ele, malas na mão, carrinho e quinquilharias para a casa da minha mãe. Eu, de licença, não sabia o que fazer em um apartamento de dois quartos, sala e sacada. Me senti sozinha muitas vezes. Mas isso fez com que o meu amor por ele crescesse e o tornasse meu companheiro. Hoje, ainda me sinto só às vezes, mas gosto do silêncio do meu lar, de ouvi-lo acordar, de escolher o meu programa na televisão, de definir se hoje vamos ou não arrumar as camas e gosto quando ele diz “na nossa casa”.
De fora, o encanto que eu sinto nem sempre é admirado. Muitas pessoas se espantam quando digo que eu moro só com o meu filho. Me acham independente demais, quase assustadora... Já sofri por isso, mas hoje rio. Não sou tão independente quanto gostaria, ainda tenho um pé fincado na casa da minha mãe, mas já sou metade do que eu queria ser aos 15 anos. Naquela época, me imaginava dona do meu nariz tão completamente que o meu apartamento seria o mais alto, o mais inatingível e o menos parecido com a minha família.
Na vida real, o meu lar é um pedaço do lar que minha mãe construiu, mesmo há ruas de distância, tem tanto dela que nem sei defini-lo, e é, sobretudo, o lugar onde descanso da loucura e conheço mais e mais este menino que um dia será um homem a procura de outro lar. E, onde quer que a gente crie os filhos, o que realmente importa é o amor. Se um dia, eu tiver que voltar para a casa da minha mãe ou dividir a minha casa com alguém, acredito que isso não tirará de mim a independência de escolha que tenho e nem mudará o amor que sinto. Somos uma nova família, em qualquer lugar que vivermos.

quinta-feira, 19 de março de 2009

Amiga da mãe é ... tia!!!


Tio e tia têm que ser necessariamente irmão ou irmã da mãe e do pai?
Li que sim. Que devíamos não confundir tanto as relações familiares, que confundíamos as crianças ao chamar a professora de tia ou aquela amiga querida...
Sinceramente, bobagem! Bom é ter muitos tios e tias... Bom é ter muitos sobrinhos e sobrinhas e, de preferência, apadrinhá-los, roubá-los dos seus pais nos finais de semana, fazer estripulias e guardar nos álbuns muitos retratos coloridos de gente fisicamente diferente da gente, mas que a gente conhece cada pedacinho de cor.
Ter um bocado de obrigações e responsabilidades para com eles e estar na lista indubitável dos presentes naquela festinha mais íntima.
Eu adoro ser tia de um bocado de crianças que começou a nascer em 2000, exatamente no dia 6 de março, há nove anos. Que delícia! Aprendi a olhar com outros olhos. Com os olhos que ilustram este post.
Tornei-me tia Luisa bem antes do que a genética irá tomar esta providência. Minha “única” irmã sempre declarou que ficaria no 0 a 0 até 2012 e eu não quis perder tempo.
Já sou tia de uns sete guris e gurias, que vi nascerem, que cresceram por perto e que sei onde se encontram e para onde queremos que eles se destinem.
Sou tia palpiteira demais, mas plantonista para horas de desespero e dúvidas.É verdade que melhorei muito como tia depois de 2003, quando o meu pequeno nasceu. A gente amadurece, percebe que os conselhos não podem ser tão destemidos e que a realidade, bem, a realidade, não se define facilmente.
E sem ser irmã das minhas amigas mais queridas ganhei o direito de usar e abusar deste título e de tê-las como tias do meu filhote.
E, no meio deste turbilhão de incertezas que é o mundo de hoje, elas são as pessoas mais certas para tudo. São amigas, companheiras e torcedoras de finais felizes.
Sem elas, mulheres sozinhas, que muitas vezes têm que pedir para Santo Expedito uma solução possível, não conseguiria sobreviver.
Sou desta rede de amigas tias e te aconselho a ser também...

PS Até julho deste ano ganho mais dois sobrinhos, de uma só leva, e meu coração de tia está apertado demais de tanto amor. Lucas e Lis serão os primeiros gêmeos com quem eu vou conviver, mas, sobretudo, são os primeiros filhos da minha amiga de infância, Carol, que há muito anseia em ser mãe. E isso me torna uma tia insuportavelmente palpiteira e feliz!

segunda-feira, 16 de março de 2009

O emaranhado da nova família


Adoção, dois pais, duas mães, madrastas, padrastos, irmãos postiços, tios, tias, guarda compartilhada, separação, uma semana aqui, outra acolá, divórcio, casa da vovó, final de semana no papai, berçário, gravidez inesperada, muita gente, gravidez planejadíssima, pouca gente, mamãe e papai, só a mamãe, só o papai... Tanta mudança nesta família, na legislação, nas casas brasileiras, que às vezes me confundo muito.
Sou filha de pais juntados, em plena década de 70, mas neta de avós casados na Igreja e na lei. Mais tarde, me tornei filha de pais separados na mesma casa. Muitas brigas, desentendimentos e vontade de sumir. Mas por uns destes motivos inexplicáveis da vida, vi minha mãe se tornar mãe do meu pai quando ele caiu doente e eu me tornei irmã ou talvez filha mesmo, filha adulta.
Agora sou filha só de mãe e órfã de pai. Adulto também fica órfão? Senão for certo no português, é certo que sou órfã do que eu tive um dia com o meu pai... Da saudade que ele me faz e do que eu queria ainda ser para ele. Não posso mais ser sua filha, a não ser na dor da sua ausência.
Da minha mãe, sou filha e também sou a mãe do seu neto. Às vezes sou companhia, às vezes sou empecilho. Também sou irmã da sua filha mais nova. Outro rolo sem fim... De quem se ama, mas às vezes disputa, busca espaço e quer o bem um do outro.
Também sou mãe de um menino enorme, gerado na incerteza, mas criado no amor. No jargão comum, sou mãe solteira. Mas solteira parece que um dia quis me casar e não deu certo. A história não é bem essa. Eu fiquei grávida e para isso, a gente precisa de outra pessoa e não era a pessoa com quem eu ia dividir a minha vida inteira e nem imaginei que fosse dividir com ela a certidão de nascimento de alguém. Dividi e agora divido algumas responsabilidades também. Não somos da mesma família, mas somos da mesma família de alguém. Nossos sobrenomes estão colados logo em seguida ao nome que escolhemos para o nosso filho. Não criamos juntos, mas estamos aí, tentando acertar esta parada de criar um filho com alguém com quem não se vive e às vezes com quem não se concorda com absolutamente nada.
Por fim, me tornei madrasta. E eu que nunca nem convivi com uma figura destas, estou em fase de adaptação e de avaliação nas intempéries de ser atriz bem coadjuvante na educação da filha do meu namorado. De repente, além de madrasta, me vi cercada por um bocado delas, cada uma de uma forma inesperada, mulher do pai de alguém. Minha irmã, minha amiga de infância, minha prima... madrastas diferentes, presentes, ausentes, chateadas, legais, intolerantes, cuidadosas.
É difícil demais! No meio de todos os modelos, famílias tradicionais, inovadoras, inesperadas, encurraladas, sonhadas ou não, estamos nós, seres humanos normais, amantes da vida e dos que amamos, buscando sermos perfeitos em atividades cuja perfeição beira a loucura, buscando acertar onde a legislação não acha termos para tamanhas divisões e multiplicações.
Ser família era estar perto, ter o mesmo sobrenome e acompanhar a hierarquia e as regras daquele grupo. Hoje, ser família é ter desafio, é amar à distância e tolerar na presença, é conviver e exercitar o amor, é aceitar a diferença e buscar, acima de tudo, respeitar o outro, seja ele quem for, seja o interesse que tiver.
Sem dicionário, me sinto feliz, porque sou a família de alguém