terça-feira, 29 de setembro de 2009

Além do arco-íris...

Fiquei quatro dias fora. Foram oito ligações. Foram oito parênteses na saudade, como sempre são. Mas, em um destes parênteses, eis que a voz deste menino curioso que tanto se parece comigo me faz despencar para outra Luisa que um dia eu fui.

- Mãe, adivinha que personagem eu vou ser no recital da escola?

- Não sei, filho. Qual vai ser a peça?

- O Mágico de Oz. Adivinhou?

- Pela sua alegria... Acho que o Mágico.

- Isso! Não é incrível! Quando você voltar loca o filme para a gente ver juntos?

Sim. Eu loquei. E lá se foi o meu domingo em frente à televisão vendo o filme rodar em sépia para depois colorir, além do arco-íris. Me lembrei muito da menina que existia em mim e que acompanhava com olhos vidrados a décima exibição de Dorothy na sessão da tarde, enquanto imaginava fugas mágicas para as minhas tristezas infantis. Enquanto a música voltava na minha cabeça e as mãozinhas dele apertavam as minhas, ele me disse assim:

- Mãe, sabe do que eu mais gosto neste filme?

- Do mágico, claro!

- Não. É de quando ela diz assim: “Não existe melhor lugar no mundo do que a nossa casa!”

- É, também gosto muito desta parte.

- Mas bem que a gente podia morar atrás da lua.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Vôos curtos


Viajei a semana toda com um questionamento engasgado na garganta. Não sei por que os filhos precisam pensar tanto...

- Mãe, bem que a gente podia ter uma família completa, né?
- Filho, o que é uma família completa? Você acha que a nossa família é incompleto?
- Mãe, uma família completa tem que ter um pai, uma mãe, um irmão mais velho, um irmão do meio e um irmão pequeno.
- Ah... Então a sua é quase completa. Tem um pai, uma mãe e uma irmã, né? E tem ainda uma avó, uma dinda e uma porção de gente que te ama.
- É, mas só que famílias completas de verdade moram juntas.

“O pensamento parece uma coisa boa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar”, já dizia a música.

Lá em casa, via de regra, meu filho não vê novela, nem coisas do gênero. Na programação infantil, os desenhos têm famílias diferentes, irmãos que viajam para terras distantes e super-heróis imbatíveis de cores e sexos variados que vivem sozinhos por opção. Só não consegui fugir dos pais “comercial de margarina” do desenho Caillou. Na escola, não existe dia disso ou daquilo, existe dia da família. Nos livros, os personagens não seguem padrões. Na sala de aula, os colegas têm as mais distintas formações familiares e tudo é dito com muita clareza pelos educadores.

Mas não sei em que momento a família cristã padrão fisgou o meu filho. Mas fisgou de jeito. Este foi apenas um dos questionamentos de uma fileira que ele me expôs. E, mesmo recebendo sempre respostas diretas e objetivas, o pensamento está ali, imposto. Não chega a lhe arrancar o sorriso ou a leveza da infância, apenas o incomoda.

Para a família completa de “comercial de margarina”, ele mesmo arrumou uma solução.

- Então, o jeito é ser irmão mais velho mesmo. Daí ou você ou meu pai precisa arrumar um bebê.

- Mas tem famílias com dois irmãos, também, né? Como a minha...

- É, mas a minha precisa de um outro irmão, para morar junto comigo.

- Tudo bem. Vamos ver isso mais para frente.

E, por enquanto, vamos tentando vôos curtos com pensamentos longos. Enquanto ele pensa o porquê de não poder ser assim, eu penso o porquê de não ser suficiente do nosso jeito.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Tempo

Tempo, tempo, tempo, tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo, tempo, tempo, tempo”

(Caetano Veloso em Oração ao Tempo)


Impossível explicar o tempo, que arma surpresas, que arranca suspiros, que aflige os pensamentos, que consome as horas, os minutos e os sonhos, que se multiplica em salas de espera.

Mas que, majestoso, é imprescindível aos seus súditos e é senhor de nossos pedidos, anseios e desejos. Ah... o tempo...

- Mãe, quanto tempo falta para o meu aniversário?
- Filho, faltam três meses, já está chegando?
- São quantos dias, mãe?
- 90 dias.
- Puxa! Como eu queria ter nascido no primeiro dia do ano!

Xxxx

- Mãe, você me leva para pegar um filme hoje!
- Filho, não dá! A mamãe tá correndo muito, tem mil coisas para fazer, você não está vendo? Eu estou completamente sem tempo e dia de filme é sábado.
- Mãe, para você todo dia é segunda-feira?

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Para sempre



- Mãe, posso te perguntar uma coisa?

- Claro, filha, o que você quiser!

Passos apressados rumo ao balé. Mãos entrelaçadas, umas nas outras. Morgana para, respira e pergunta:

- Mãe, toda vez que você sair, você vai voltar?

- Vou, filha. Toda vez eu vou voltar para nossa casa.

- Eu estou falando sobre todas as vezes que você sair. Quero saber se você vai voltar?

As mãos se apertam. Os corações ficam miúdos.

- Filha, todas as vezes que eu vou, você vai comigo, no meu coração. Então, se eu não voltar, você estará lá comigo.

- Mãe, se você não voltar, eu vou ter que sair do seu coração, porque você sabe, né? E eu quero que você volte sempre, porque eu fico muito triste longe de você.

Estas foram, mais ou menos, as palavras de Morgana, 8 anos, para a sua mãe Simone. Quando a mãe me contou, me deu aquele aperto e fiquei pensando assim que Drummond tinha muita razão quando dizia: “Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho”. Esta aflição consumiu dias da minha infância e, agora, me consome adulta, porque eu gostaria de sempre voltar e de que ele estivesse, ali, me esperando.

*Para sempre – Poesia Carlos Drummond de Andrade

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Flores de agrião



Sim, elas existem. São comestíveis e, por um acaso, deliciosas. São vermelhinhas com miolo amarelo. Belíssimas as flores de agrião mexicanas, que encontrei ontem em um verdurão da cidade. Elas se bastavam para pôr a beleza necessária para os meus convidados da noite.

Às vezes, uma novidade assim, tão simples, faz com que a gente pense nos caminhos complicados que percorremos para conseguir agradar o outro, dar o nosso melhor. E eu, que adoro pequenos detalhes, corro sempre o risco de me perder por inteiro no todo.

Segue mais um diálogo daqueles antes que a salada ficasse pronta. O cenário é a sala do apartamento. Eu, empunhando bravamente o aspirador. Ele, tentando fazer suas manobras no videogame emprestado diante do barulho insuportável do meu ajudante móvel.

- Mãe, por que você gosta de tudo tão perfeito?

- Porque é bom tudo perfeito, no lugar, não?

- Não sei.

- Claro que é, filho. A casa limpinha, a mesa bem posta, a cama arrumada.

- É, é bom. Mas nem tudo tem que ser tão perfeito, sabia? Às vezes, você podia deixar ser...