segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Meu filósofo de bolso

Já li Marx, Platão, Adorno e Horkheimer. Já sofri para apresentar trabalho sobre Decartes nas aulas distantes de filosofia. Mas hoje quem mais alimenta minha cuca é o meu pequeno pensador, Tomás, que vê a vida com uma experiência de outras prováveis vidas vividas.

Tudo começou com um diálogo sobre o futuro, que prende muito as atenções do menino. Na primeira aula de karatê, ele já queria saber o dia em que se tornaria um faixa preta. E assim é no dia-a-dia. Se estamos no domingo, ele já sofre pela segunda. Ele toma um sorvete, pensando na próxima bola. E não nega a mãe que tem, em uma ansiedade idêntica pelos dias que ainda estão por vir.

Mas, como educadora, precisei alertá-lo sobre os perigos de se viver no futuro e não dar a atenção devida ao tempo de agora. E pedi para que tratasse de viver os momentos “como nunca mais”. Então, ele me perguntou:

- Mamãe, no que você pensa mais? Passado, presente ou futuro?

Pausa para pensar. Eu penso mais no passado e no futuro, mas tive que mentir.

- No presente, filho. No que estamos vivendo agora. Mas penso também no nosso futuro, mas sem gastar tempo com isso.

- Eu penso mais no futuro, mãe. Porque o presente eu já estou vivendo e o passado é estranho.

- Como assim, filho?

- O passado é cada dia maior para uma memória cada dia menor. Então, eu vou me esquecendo de algumas coisas para dar lugar a outras. E ele fica lá, sem emoção, porque eu já senti tudo aquilo e agora não sinto mais. Para você, mãe, também é assim?

Para mim, o passado ainda é cheio de cor, ainda mais se tratando dele. O dia que nasceu, o primeiro passo, a ida para a escola, as descobertas... Mas nada se compara ao dia de hoje e ao que está por vir da cabeça deste meu filósofo de bolso.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O que você faz quando não acha uma vaga?



Se dirigir está difícil, estacionar está um pouco mais. Com um número de veículos cada vez maior no trânsito, na hora de parar, a disputa por um espacinho para encaixar o carro é motivo de muita dor de cabeça. Para não perder a hora no trabalho ou na escola, é preciso se antecipar em minutos, porque para achar a tão sonhada vaguinha serão necessários minutos à mais dando voltas na quadra ou olhando fila por fila no estacionamento.

E quando você está na hora daquele cinema ou do casamento do melhor amigo, aqueles minutos passam a ser preciosos e o momento de folga inclui o desprazer de lutar por uma vaga. Aí a gente fica sabendo quem é o motorista da frente e o que ele é capaz de fazer para estacionar o seu carro... E isso faz uma enorme diferença.

Quantas vezes no shopping, naquele dia mais que infernal, você dá a seta para entrar na vaga que será desocupada e antes que você consiga fazer uma manobra, alguém que se diz mais esperto arranca e ocupa sem olhar para trás o lugar que seria seu? Ou na escola do seu filho, no espaço reservado para desembarque, um pai mais espertinho estaciona e por lá fica atrapalhando uma via de acesso rápido a ser usada por todos?

Aí tem quem estaciona em local expressamente proibido, em frente à garagem da sua casa, no espaço destinado às motos, na vaga exclusiva de um comércio, etc. Exemplos de falta de cidadania que irritam quem tenta seguir a lei e respeitar o direito do outro. Mas o que mais me incomoda e me deixa envergonhada é o motorista que estaciona na vaga destinada ao deficiente físico ou ainda o desinformado que coloca o seu carro na lateral desta vaga, onde fica o chão é marcado para o desembarque de um cadeirante.

Isso é muito comum na escola que meu filho frequenta, onde das prováveis 50 vagas, apenas duas são destinadas aos cadeirantes e ficam próximas à faixa de pedestre e ao portão de embarque por motivos óbvios. Mesmo na minha corrida hora de almoço, nunca tive coragem de dar “só aquela paradinha” naquelas vagas. Estaciono bem longe da entrada, na maioria dos dias, e quando carregando a mochila e a lancheira tendo o sol e o filho como companheiros, eu vejo a vaga especial com um carro sem adesivo parado por lá, me dá um nó na garganta.

Muitas vezes a pessoa não estaciona na vaga em si, mas ao lado dela, onde aconteceria o desembarque do aluno ou do pai com necessidades especiais. E muitas destas vezes eu conheço o motorista e fico morrendo de “vergonha alheia”. É que a gente faz um discurso e executa, na prática, muito pouco. Respeitar o outro significa, muitas vezes, nos sacrificar. Abrir mão de algum conforto. Esperar mais um pouco. Ter paciência redobrada.

Então, na próxima vez que você for estacionar, lembre-se que a vaga que você escolher e a forma como você vai chegar a ela diz um pouco de quem você é e, principalmente, como você se sente em relação aos outros.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Com olhos de criança

A semana começa com o segundo turno das eleições no Brasil e em Goiás, mas também com a perspectiva de um feriado prolongado e um dia para comemorar a vida das crianças à nossa volta. Estes dias de muita correria e prepotência para todos os lados, recorri a elas para manter o juízo são e a esperança intacta. É que ouvir crianças, em qualquer situação, rende para nós, adultos, a possibilidade ver o mundo de outra forma. Com olhos mais inocentes, mas igualmente mais criativos. Sentir o mundo de uma forma menos quadrada e mais possível de transformação. E, para mim, ainda rende boas histórias para dividir com vocês.




História 1

Meu sobrinho, enteado da minha irmã, estuda na mesma escola do Tomás e os dois apresentarão, ainda este mês, uma versão da Arca de Noé para os adultos corujas de suas famílias. Nas preparações para a peça, uma das tarefas de casa pedia para que eles dissessem qual papel gostariam de representar. Meu sobrinho estava na casa da minha irmã, que conduzia a questão.

- Então, Pedro, que papel você queria ter?

- O da onça.

- Da onça? Por quê?

- Porque a onça é mulher.

- Ahn?!?! Como assim?

- Isso mesmo. A onça é mulher. Ela que manda. Ela escolhe a hora que quer dormir, o que vai comer e ainda pode jogar Play Station qualquer dia da semana.

No lugar dele, eu também ia querer ser a onça.

História 2

Chego na escola e sou recebida por um coleguinha mais novo do Tomás, que estudou com ele no ano passado. Todo empolgado, ele me convida para conhecer seu novo cachorro, que foi buscá-lo junto com a mãe. Eu topo ver a cara do bichinho.

Ele chegar com o bichinho todo fofinho, de laços e perfume, para me mostrar com orgulho.

- Tia, é lindo meu cachorrinho, né?

Num impulso, eu chego minha mão perto do seu pelo branco e marrom para sentir sua fofura, no que Lucas me avisa.

- Tem que lavar a mão.

- Sim, eu lavo a mão depois que pegá-lo.

- Não, tem que ser antes. Porque ele tomou banho e você, não.



História 3

Eu e meu pequeno tivemos dias de cidadão nas últimas semanas antes da eleição. Levei o Tomás em alguns eventos políticos, como minha mãe fez comigo quando eu era pequena e ele ficou encantando com o clima de festa e com os candidatos. Já era telespectador assíduo de programas eleitorais desde os 4 anos e se tornou um pequeno militante.

Em um dos últimos encontros, apresentamos para ele a candidata deputada estadual que apoiávamos. Ele ficou feliz de tocar na mão de quem votaríamos. Mas voltou logo para a cadeira e buscou na minha bolsa a propaganda da candidata. Foi quando disse.

- Coitada, ela está bem mais velhinha do que nesta foto!



História 4



Na véspera da eleição, Tomás descobriu que não ia votar. Expliquei para ele que, dificilmente, os mesários deixariam que ele entrasse para registrar os meus votos na urna. Foi quando ele descobriu que caso “votasse”, seriam os meus votos e não os dele.

- Quer dizer que eu fiz campanha à toa e nossos candidatos vão ter um voto a menos?

- Filho, criança não vota.

- Por quê?

- Porque não vota, porque tem uma lei e criança não tem idade ainda para decidir o que é melhor para o País.

- Eu tenho, sim. Que te disse que eu não tenho?

- Filho, você nem sabe quem faz as leis.

- Eu sei. São os deputados federais e eu vou falar com eles que se a criança quiser, ela deveria poder votar.

E depois disso foi muito choro e consolo e a sorte de deixarem ele entrar na sessão na hora da votação.