segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Reinvenção de Monteiro Lobato



Nem sempre leio para o Tomás. Confesso esse lapso para descobrir se alguma das minhas leitoras ocultas se entrega à preguiça ou às tarefas do lar quando o filho chega com um livro debaixo do braço. Mas, vez em quando, me entrego a tarefa que sempre rende boas risadas e, no final, um filhote dormindo tranqüilo em sonhos coloridos com animais falantes, terras distantes e finais sempre felizes.

Neste final de semana, tive motivo a mais para ler livros com o pequeno, que já conhece as palavras, mas adora que alguém lhe faça este dengo. Ele está dodói e, nestes dias assim, ganha direito de ganhar uma beira na minha cama para eu controlar a temperatura. Escolheu para nos fazer companhia o livro “Reforma da Natureza”, do Monteiro Lobato, que li quando era criança e que ele ganhou da minha querida madrinha.

Para quem cresceu e se esqueceu da história, vale relê-la aqui. Logo no começo Dona Benta e Tia Nastácia seguem em comitiva para Europa com a missão de ajudar na construção da paz mundial. Mas Emília decide ficar, por motivos que envolver a reforma da natureza, e a uma certa altura, Narizinho alerta para o risco das peraltices da boneca e afirma: Quer ficar sozinha eu sei para que é - para sapecar à vontade.

Eu pergunto ao pequeno, para acompanhar até que ponto ele entende:

- O que será que Emília vai fazer, filho?

- Hummm. Se fosse na cidade, ia fazer uma balada.

- Balada? Como assim?

Com bracinhos para cima, ele faz um movimento de ombros e imita uma destas músicas da moda.

- Isso é uma balada. Agora, no sítio, mãe, acho que dá para ela soltar as galinhas do galinheiro.


O certo é que vamos ocupar algumas noites com a leitura e com o dodói. Vamos nos divertir juntos, o que é sempre registro da nossa cumplicidade acalentada em noites febris e em dias nem sempre ensolarados.


sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Onde está a menina?

“Em minha casa, reuni brinquedos pequenos e grandes, sem os quais não poderia viver. O menino que não brinca não é menino, mas o homem que não brinca perdeu para sempre o menino que vivia nele e que lhe fará muita falta”.
Pablo Neruda



Ainda brinco em um dia qualquer com um jogo estipulado pelas crianças. Às vezes faço formigas nas costas do Tomás pela manhã e em tarde muito ensolarada, sou capaz de jogar bola com meu filho ou competir na piscina o nado mais rápido. Mas é pouco, muito pouco, porque me pesa o peso de não poder rodopiar, porque me pesa o peso de cobrar boa postura, porque adormeceu em mim uma menina risonha que adorava jogos de azar, que temia monstros do escuro e que inventava futuros distantes.

Há que se dosar na adultice um pouco de meninice, não da infantilidade tão comum nestes dias rasos de querer ser mais do que se pode. Mas é preciso ter, na alma, em canto de fácil acesso, a agilidade do empinar da pipa, a gargalhada da piada sem graça, o esconderijo nunca descoberto, a sujeira mais limpa da terra vivida, a coragem do primeiro passeio de bicicleta, a pureza da descoberta da morte das primeiras cigarras.

Em minha casa, recordações da infância estão nas fotos, nos brinquedos que enfeitam estantes e nos deixados pelo Tomás em qualquer canto. E, às vezes, ao cantar uma música, ele me leva para lá, para o tempo ido, de onde volto logo para regular o volume da sua voz ou avisar do próximo compromisso.

Por que é tão longe quando devia ser tão perto? Por que se faz difícil essa menina que em mim habita? Por que nos distanciamos do que somos para sermos adultos? Por que brincar se tornou extremamente difícil?

Foto: avidadebani.blogspot.com

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Sobre saudade




Saudade está entre as mais belas palavras da nossa língua. Sem tradução para muitos, é tema de poesia, canção, pintura e tudo mais que envolva emoção e cabe bem nas sete letras que a constroem, assim como nas vírgulas que vamos deixando no meio do caminho.


- Mãe, estou com saudade do meu amigo Arthur.

- Por quê?

- Saudade, mãe, não é palavra. É sentimento. Não tem explicação.

(...)


- Mãe, você tem saudade do que?


- A lista é longa, filho.

(Eu tenho saudade das mãos do meu pai, dos vizinhos da rua 147, do colo da minha madrinha, da minha professora de português, dos almoços disputados pelos primos no domingo, dos biscoitos da minha avó, da elegância da outra avó, do cheiro de mato das férias de janeiro, do sorvete delicioso do Beijo Frio, de passar domingos na ilha, de trocar roupas com amigas, de colecionar papéis de carta, de andar pelas ruas do setor Sul cantarolando, de ocupar as praças com meus sonhos sem medo, de dormir no trajeto para a aula, de rir de mim mesma, de conhecer os cafés da cidade, de acreditar no impossível, dos amigos que foram morar longe, de amanhecer o dia criando projetos, de ouvir o chorinho do Tomás no berço, de beijos inesquecíveis.)

- Filho, a lista é pequena. Eu tenho saudade do tempo.


Foto do blog: http://expectativasdesleaiis.blogspot.com/

domingo, 21 de novembro de 2010

Contrata-se serviços para o Papai Noel



Falta pouco mais de um mês, mas o Natal chegou bem antes, com enfeites em lojas, propagandas na TV e negociações intermináveis sobre uma lista de presentes igualmente interminável. A lista é feita desde cedo lá em casa, mas está sujeita a alterações e segue algumas regras. As alterações dependem do humor do Papai Noel, do décimo terceiro e da criatividade materna e as regras dizem respeito à qualidade do presente. Tem que ser brinquedo ou livro e nenhum item eletrônico, pelo menos nesta fase tão encantada da vida.

- Mãe, quero ganhar de Natal um xbox!

- Filho, você sabe que o Papai Noel não traz videogames para as crianças. Escolha outra coisa.

- Mas, mãe, eu quero tanto...

- Tomás, já falamos sobre isso, o Papai Noel tem uma fábrica de brinquedos e livros, os mais bonitos de todo o mundo. Não é justo pedir que ele comece as fazer computadores, videogames e essas outras coisas eletrônicas.

- Eu sei, mãe. Ele é velhinho e fica difícil, mas eu tive uma grande idéia. E se o Papai Noel contratasse uma empresa para fazer os videogames¿

- Uma terceirização, você quer dizer. Ai, filho... Como o Papai Noel ia ter dinheiro para este contrato¿ Ele não é rico não.

- Mãe, ele não precisa de dinheiro. Quem tem coragem de dizer não ao Papai Noel¿



Difícil imaginar quem tenha coragem de dizer não ao Papai Noel. Eu, que acredito no bom velhinho e na magia destes dias que envolvem o Natal, creio que dá para dizer não às crianças, mas nunca aos bons sentimentos natalinos.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Um pouco confuso

Dia de chuva em Goiânia e enquanto nos dirigimos para o almoço na casa de amigos, falo com o namorado no telefone sobre a programação da tarde.

- Garfield, nem pensar...

Tomás, que ouvia a conversa, diz:

- Mãe, Garfield sim.

- Não, filho. Eu adoro ler Garfield, mas os filmes são horríveis.

- Mãe, você não respeita a "população" do Garfield.

- Ahn?!?

- É... Quis dizer que o filme do Garfield é muito bem mal feito.

(...)

- Mãe, acho que estou um pouco confuso hoje. O que quis dizer é que o Garfield faz sucesso e o filme é bom. Melhorou?

- Muito, filho. Mas como gosto muito do Garfield, em um dia de chuva assim, prefiro curtir uma preguiça. Ele aprovaria.