terça-feira, 13 de setembro de 2011

Meu lugar



Vou voltar


Sei que ainda vou voltar

Para o meu lugar

Foi lá e é ainda lá

Que eu hei de ouvir cantar

Uma sabiá”


Nesta segunda, como que para dizer que a primavera está chegando, recebi um presente cheio de emoção e carinho, que me fez passar a noite perambulando em sonhos e me imaginando feliz por uma recordação que ficou apagada nos meus poucos anos de vida. A prima Eleonora Dias, a quem não vejo desde esta época, me enviou por email as fotos do dia em que chegamos a Porto Alegre, no fim do exílio dos meus pais. A data imprecisa no mês de outubro de 1979 guardou o sorriso mais bonito que já avistei do meu pai. Não era para ser diferente. Foram quase dez anos fora de casa, da terra da sua família, do amor dos seus. Neste período, não perdeu só o sonho, a convivência, os nascimentos dos sobrinhos e todas as coisas que nos acontecem em uma década, perdeu também o meu avô Armando, meses antes do seu retorno. Para sanar esta dor enorme das palavras que os dois não trocaram, de uma despedida que nunca aconteceu, o primeiro lugar que minha mãe e meu velho visitaram foi Porto Alegre, mais precisamente no sítio da família, no Lami.

Desta viagem que durou pouco mais de uma semana, minha avó Talita, meus tios e meus primos foram os responsáveis por fazer o meu pai sorrir de novo. Em sua casa, meu pai que também se chamava Armando, tinha o apelido de Negrão, talvez porque fosse o mais moreno dos cinco filhos. Era o terceiro da prole e o único, dentre eles, torcedor do Grêmio. Esta foi apenas uma das muitas diferenças que tiveram em vida. Mas que, para ele, sempre foram pequenas demais. Mesmo depois, morando a tantos quilômetros de distância, meu pai nunca perdeu o Rio Grande do Sul de vista. Era para lá que ia em todas as férias até adoecer. Era para lá que ia também, depois de adoecer, em pensamentos remotos e confusos. Ao ouvir o nome de um dos irmãos ou do rio Guaíba, seus olhos brilhavam.

Deste amor por sua terra, ganhei por muitos anos no registro o nome da cidade como se fosse a minha natal. Só depois de uma compreensão maior da lei, que Bruxelas se tornou minha cidade natal, mesmo eu sendo brasileira. Mas na cumplicidade matreira, meu pai me dizia gaúcha.

Dias depois da viagem registrada nestas fotos, eles seguiram a caminhada, comigo a tiracolo, por Curitiba, Goiânia e Porto Nacional onde se encontravam espalhados os familiares de minha mãe, este é um outro pedaço desta longa história. Naquele ano em que voltamos, meus pais foram muito felizes, como disse minha mãe: “Mais felizes do quem em todos os dias das nossas vidas”. O lugar do meu pai sempre foi ao lado dos que amou tanto. O da minha mãe se fez onde criou novos laços e onde ergueu sua família. Para viver juntos, nem sempre puderam ouvir o sabiá cantar, mas ele estava lá...