segunda-feira, 30 de novembro de 2009
O que eu vou fazer com este amor?
Tentei de novo, pai, sonhar com você. Mas o sonho não voltou. Eu queria só sentir de novo a sua presença, eu queria no sonho fazer você falar, eu queria ouvir a sua voz, que insiste em não aparecer nas minhas lembranças, eu queria entender mais do que entendo sobre saudades, sonhos e reencontros.
Nestes dias tumultuados de final de ano, com um filho que insiste em crescer mais do que devia, ando muito saudosa. Tenho saudades de viajar com você, no final de ano, para a casa da vovó. Tenho saudades de, depois de horas dentro do ônibus, encostar a cabeça no seu colo e me render ao sono. Tenho saudades de chegar na casa dela e ver penduradas, na lareiras, as botas dos filhos que devem ter recebido presentes nos natais da sua infância. Tenho saudades de sentir o cheiro do arroz doce que ela preparava te esperando. Tenho saudades de quando você ia mata adentro achar uma pitanga não muito bonita para me mostrar que a árvore plantada por você já dava frutos. Tenho saudades de, no Natal, mesmo que sem presentes, ter você. Tenho saudades de quando, já grande, com você cambaleante, dançar um pouquinho “cheek to cheek” cantando “eu, você, nós dois, já temos um passado, meu amor”.
E queria muito saber se quem estava do outro lado, no telefone, no meu sonho, tinha resposta para minha pergunta. Afinal, o que eu irei fazer com este amor?
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Querido Papai Noel...
Enquanto ele ensaia escrever ao Papai Noel sobre suas predileções, eu ensaio mudar um pouco o tom do Natal deste ano. Ele não sabe se quer o videogame de última geração ou a coleção de filmes do Sítio do Pica-Pau Amarelo. A dúvida ainda inclui uma pista cheia de “curvas iradas, rampas maneiras e velocidade animal da Hot Wheels, mamãe, vai encarar?”. Eu ensaio desligar a televisão mais cedo todos os dias, escrever para o Papai Noel trazer uma boa surpresa e viver com menos, bem menos.
Diante dos muitos catálogos de brinquedos, fora o videogame que é caro e eu não estou certa que este Natal contemplará, eu não vejo nada, nada mesmo, que seja um desejo indubitável, uma surpresa unânime, uma daquelas alegrias incomparáveis. Eu queria que ele fosse capaz de sentir o que eu senti quando, aos 8 anos, minha mãe me deu uma bicicleta Caloi azul. Ela era linda, sem defeitos, brilhante e causou alvoroço na minha casa. Eu quase dormi abraçada com ela e, depois que aprendi a andar, perdi três tampos de joelho, participei de muitas corridas e andei de todas as formas que eu conseguia. Está na lista dos meus melhores presentes.
O Tomás já ganhou brinquedos lindos, divertidos e encantadores. Sempre abre os pacotes com ar de surpresa e de realização. Mas o problema é que, diante da quantidade, a realização dura pouco e ele sempre está com as pequeninas mãos abertas e esperando algo cair do céu. Sei que a época de hoje é bem mais fácil do que a décadas atrás. A estabilidade econômica do País permite aos pais muito mais mimos do que tínhamos. Para se ter uma ideia, minha Caloi veio de São Paulo, de ônibus, encomendada a um amigo. Na época, as diferenças de preço eram enormes. Hoje, com as grandes redes e a internet, não faz tanta diferença assim. Fora que os brinquedos são bem mais baratos e acessíveis, inteligentes e sedutores e não há um adulto que não fique pasmo e encantado em uma loja de brinquedo.
O problema é que temos que dar um destino a tudo isso, aos muitos brinquedos, à pobreza que ainda assola outras crianças, à inutilidade de alguns objetos (o que fazer, depois de dois segundos, com a décima nona boneca), à falta de tempo para curtir tantos brinquedos. Isso tem me subtraído e não quero ficar com a cabeça branca como o Papai Noel. O Tomás e muitas outras crianças precisam aprender a consumir menos e somos nós os instrumentos. O primeiro passo é ouvir “não”. E, para isso, temos que fazer vários exercícios. Lá em casa são ditos muitos “nãos”, mas que caem por vezes no vazio. São três casas, três regras e apelos incansáveis. Todos os anos ele vai, pelo menos, em três festas de Natal. Mesmo assim, eu não posso desanimar. Tenho que reduzir a carta do Papai Noel, dar a chance do Tomás ter um brilho no olhar como eu tive aos 8 anos e viver sem me condicionar tanto ao que é dito na televisão.
Vejam este vídeo sobre consumismo infantil e pasmem com o que os pequenos andam saboreando nas horas vagas: http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/Biblioteca.aspx?v=8&pid=40
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Tradição I
Grávida do Tomás, eu ficava “mirabolando” tradições para a nossa pequena família, porque sempre acreditei que ter uma tradição é como solidificar laços. Acho bonito ver uma família que segue uma tradição.
Não reconhecia no meu núcleo familiar nada que tivesse o peso de uma tradição. Nossas festas de Natal são pequenas, quando criança, eu e minha irmã nos dividíamos entre pai e mãe para o Natal, o almoço de domingo não segue um cardápio tradicional, não vamos à missa todos os sábados e não temos mais um destino certo nas férias. Na busca por tradições, já comprei camisetas iguais para mim e para ele, tentei contar uma história todas as noites, ir ao parque nos domingos... Mas nada pegou, não virou tradição.
Agora, que o final de ano chega e começo a cumprir as minhas atividades festivas, percebo que a tradição estava ali e eu ainda não tinha visto. A primeira tradição começa com o aniversário do pequeno, nascido em dezembro. Desde o primeiro, eu faço os convites e preparo as lembrancinhas com a ajuda de uma amiga querida e a vovó e a dindinha fazem os doces. Se a festa é maior, uma legião de tias empresta as mãos para cumprir as tarefas. Quando entra novembro, ele já pergunta o que faremos neste ano. Sempre tem uma novidade. Neste ano, a comemoração será na escola, mas já começamos a festa cortando papéis em casa.
Em seguida, começam os preparativos do nosso amigo-secreto. Tem mais de dez anos que eu e um grupo de amigas nos reunimos para comemorar o Natal e o ano novo com o tradicional sorteio de papéis. O grupo mudou, cresceu e a festa continua em nosso calendário, em algum final de semana em dezembro ou janeiro. Desde 2003, o Tomás começou a participar da brincadeira, ainda na barriga. Ganhou de presente do amigo Igor um Taz bebê, que enfeitou seu primeiro quarto. De lá para cá, ele e os amigos se divertem com a troca de presentes e de papéis. E ele espera ansioso pelo dia em que saberá quem é “seu concorrente”. As opções não são muitas, porque eles são poucos, mas o pequeno se diverte sempre.
Na onda de tradições, temos nossa pequena árvore para o nosso cantinho lá em casa. É lá que amanhece o presente do Tomás no dia 25. O papai Noel passa na vovó, onde é a ceia no dia 24, mas sempre deixa algo na nossa casa e ele espera. A árvore é montada por nós dois, em meio às discussões, porque ele gosta de fazer tudo sozinho. Então, já tive carrinhos estacionados ao pé da árvore, cartinhas penduradas nos galhos, mas tudo muito colorido e feito por nós dois, em uma manhã qualquer de domingo.
Estas e outras tradições surgiram sem um planejamento maior. Foi o prazer de repetir certas vivências que estão concretizando os laços com quem amamos. E cada uma destas coisas torna a nossa vida mais doce e mais suave. E o gosto pela tradição passa então de mãe para filho. Dia desses, ainda no final de outubro, após o último recital do ano, fomos lanchar juntos depois da apresentação. Ele e os colegas já tinham programado o passeio dias antes, porque em outros momentos de comemoração escolar, fizemos o mesmo. Foi aí que o Tomás falou:
- Mãe, sair com os amigos depois do recital já é uma tradição, né? A gente vai fazer isso para sempre.
É, meu artista, esta é mais uma das nossas tradições, uma tentativa no meio de tantas de ser e fazer feliz. E que bom que nossas tradições não planejadas têm gosto de brigadeiro, segredo e batata frita.