segunda-feira, 26 de abril de 2010

Para sempre


Ir embora não é fácil. Nem quando se vai e se tem certeza de que, amanhã ou depois, se estará de volta. Imagina quando se vai embora, de mala e cuia, de mudança, para um tempo chamado de “para sempre”. Imagina quando se deixa para trás pedaço de vida, promessas não cumpridas, sentimentos ainda não silenciados. Ir embora significa deixar, desapegar, fechar portas, desocupar, silenciar, esvaziar gavetas e, em alguns casos, desistir, sentir saudades.




Fui embora da casa da minha mãe em 2003. Foi o “embora” mais fajuto que conheço, mas não menos significativo. Deixei para trás casa, comida, roupa lavada, quarto montado, pessoas, segurança e afeto. Eu estava lá todos os dias, mas eu não pertencia a casa, eu não dizia mais “a minha casa”. Fiquei, algumas vezes, sem a chave da porta. Perdi o meu quarto. Senti saudades, muitas, das tardes deitada no sofá. Senti vontade de desistir, várias vezes. Mas fiquei feliz também. Mudei de lugar. Fui embora e me tornei outra filha, outra mulher e dei lugar à pessoa que morava em mim e queria ser mãe. Deixei para trás uma porta aberta, caso eu me arrependesse, mas sei que não tenho altura para entrar por lá.



Depois disso eu mudei mais duas vezes sem deixar nada para trás (a não ser a matéria). Levei comigo o que eu era, o que eu sou, a bagagem, os amigos, a família e o filho. Nos tornamos um “novo endereço” de novas pessoas, inabaláveis em suas rotinas, certos do seu destino, dispostos ao “para sempre”. Até que a gente seja surpreendido por um bom motivo para uma nova mudança. E vamos, com medo e desconfiança, deixar para trás algumas coisas, os dias vividos, a intimidade construída, o saber do outro tão pleno. Talvez eu vá sofrer mais, porque se tem uma palavra que me é difícil é o desapego. Mas a jovialidade do Tomás o chamará para frente e os seus pés serão os primeiros a se colocar fora de casa. Eu vou me convencer, desde já, que sempre vamos encontrar, em outros pousos, alimento para alma e conforto para o corpo.



Estes dias penso muito em mudanças. Vejo gente, de todo tipo, de toda idade, fazer rearranjos para ser feliz. Vejo gente cedendo, abrindo espaço, criando, refazendo, repensando, mudando, enfim. Uma amiga tentou fazer as malas sem reclamar, mas chorou muito. Foi embora de casa, do sabor conhecido do almoço de sempre, do quente, das brigas conhecidas, dos medos curados, das dúvidas sanadas para o seu lar, sua nova vida, sua nova família. E sente, sente muito. E se cobra que, entre tanta alegria pela nova porta, haja tristeza pela partida, pelo deixar... Como dizer ao coração que ou se fica rosa ou se fica cinza? Quando ele, dividido, é capaz de chorar e sorrir ao mesmo tempo, de ir embora para encontrar a tal felicidade, mas ter certeza de que, a cada dia, estará sempre repleto da mais verdadeira saudade.



Em outro canto da cidade, outra amiga começa a pensar se também não é hora de partir. Aquilo que chamamos de lar pode nos pregar uma peça e passar brevemente a fazer estrago em nosso coração. A linha que decide o momento da mudança é tênue e a que se reconhecer, sem muita experiência, quando a porta se abrir se devemos deixar entrar o vento ou sair para olhar de fora. O que é, afinal, ir embora? Quando se vai embora? O que se perde? O que se ganha? O que se vê? O que se sente?



Quando vamos embora não pertencemos mais ao lugar, mas hoje tenho certeza de que o lugar, o momento, o tempo pertencem sempre a nossa história. E vamos embora, certamente, sem sair do lugar. Vamos embora de nós mesmos, do que éramos, do que não somos mais. E um dia, enquanto a gente arruma novas gavetas, encontra um lugarzinho para fotos antigas, uma blusa que não se usa mais, uma cartinha amarelada e sabe que lá é capaz de encontrar o sossego de saber que “para sempre” vale somente para o que se leva no peito, que ir embora não tira da gente o que somos realmente, o que queremos e que para sonhos e eternidades, há sempre que se ir embora, mudar de lugar, olhar com outros olhos e se permitir conhecer novos tempos.

Um comentário:

  1. Luisa, chorei que este post. Até hoje ainda choro aqui em Brasília, com saudade da "minha casa" que não é mais minha aí em Goiânia...
    Beijo grande!

    Maíra

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