Sim. Foi o olhar de Alex que a salvou, antes mesmo que as mãos dele pudessem-na resgatar. Porque o olhar do outro sempre pode nos salvar. Está nele o reconhecimento de nossas dores, a piedade, a compaixão, a humanidade, o elo com a vida.
Muitas vezes, uma mãe ou um pai, ao ver o filho pequeno tombar, diz:
- Não olha, que daí ele não chora!
É também com os nossos pais que nos permitimos as lágrimas mais sinceras depois de uma grande perda. O emprego que se foi, o fim do namoro, o assalto. Calamos a dor até que, aos sermos olhados por eles, desatamos o nó.
Sim. Choramos quando os outros nos olham. Nos percebem. Sem o olhar do outro, muitas vezes seguimos sem declarar nossos infortúnios, temendo o tamanho da dor das nossas feridas.
Foi assim com Brenda ao ser olhada por Alex, que heroicamente a devolveu a dignidade de ser ela mesma, de ter uma mãe a sua espera, analfabeta como o seu próprio redentor, de ser indefesa como todos somos na infância e em outros momentos da vida.
A dignidade de Alex em devolver a Brenda sua própria identidade fez com que outros o percebessem na sua juventude entrecortada de pequenas tragédias que nem sempre valem a manchete do jornal. Que alguém olhe por ele.
Segue o depoimento dele ao jornal Folha de São Paulo:
“Tenho 17 anos, sou órfão, analfabeto e trabalho como repositor de estoque numa bomboniere. É meu segundo emprego. O primeiro foi de camelô, na 25 de março. Mas cansei de correr do "rapa" (batidas policiais).
Conheço Brenda desde que nasceu. É que somos vizinhos. Meu padrasto, que é pintor, foi à Bahia. Minha mãe, empregada doméstica, morreu quando eu tinha 12. Meu pai nem sei quem é.
No fim de semana estive em Aparecida, com amigos. Fizemos uma corrente na sala dos milagres para essa menina. Levei até uma foto.
Às vezes, toco bateria na igreja, mas não sou religioso.
Estava conversando com minha patroa sobre a viagem quando olhei pra rua e vi a Brenda apontando o dedo pra mim. Magra, suja, de touca e com o cabelo recortado.
Foi um milagre, era para eu estar no depósito. Aí até brinquei: "Essa é a menina que sumiu". A patroa falou: "Não é ela não". Daí, pedi permissão e saí.
Fui correndo e encontrei os dois parados na lanchonete ao lado, pedindo comida. Nervoso, falei alto: "Essa menina você roubou". O desconhecido, que parecia um morador de rua, respondeu: "Não, é minha filha, vou buscar o RG dela na carroça".
Daí, de repente, ele saiu correndo. Agarrei a menina para ele não levar.
Quando ele foi embora, ela começou a chorar, acho que com medo de ficar sozinha. O pessoal saiu atrás, mas não conseguiu pegá-lo. Uma mulher acalmou a menina.
O PM veio e pegou meu RG. Falei: "E agora? E se não for a menina?" Perguntamos seu nome e ela respondeu.
Mas foi pela TV que eu soube que era ela mesmo, quando o PM apareceu dando entrevista. Meu patrão comentou: "Você a achou, mas olha quem está recebendo saudação". E o pior, dizia que a achou numa outra rua.
Fui à delegacia e falei que o rapaz estava mentindo. Quando o encontrei, ele disse que já tinha falado tudo e não precisava de mais nada.
Mas o circuito de câmeras da loja registrou a cena inicial, e quando mostrei ao delegado, começou a confusão toda de novo. Assinei um boletim de ocorrência. (Questionado pela Folha, o delegado Paulo
Cesar de Freitas, do 6º DP, no Cambuci, diz desconhecer a confusão.)
É claro que me senti um herói. Mas por várias vezes já chamei ambulância para ajudar, quando vi acidente na rua. Meu sonho era ser bombeiro, mas vai ser difícil.
Às vezes, fico pensando na vida, vem tudo, o serviço, minha mãe, esse negócio da alfabetização, caramba, tudo numa pessoa só, foda.
Para mim tudo continua na mesma. Quem agora precisa se salvar sou eu.”
Depoimento à Folha de São Paulo, publicado em http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1111147-jovem-conta-como-encontrou-menina-desaparecida-em-sp-leia-depoimento.shtml.
Foto Joel Silva/Folhapress