Sábado, Rio de Janeiro, um jovem de 26 anos estrangula e mata a namorada de 18 anos. Os nomes são comuns: Bruno e Bárbara. As trajetórias também são iguais a de muitas pessoas que conhecemos. Tinham família, estudaram, cresceram protegidos. Em algum momento, ele, viciado em crack, surtou e assasinou a mulher que amava, que queria vê-lo melhor. O que fazer quando algo assim acontece? Como os pais vão lidar com esta dor? Como a gente, que tem filhos, sobrinhos, pessoas que amamos, vai protegê-los do consumo cada dia maior de drogas?
Hoje, pela manhã, quando vi o pai de Bruno na televisão se sentindo impotente diante do erro do filho, pensei no quanto estamos desprotegidos neste mundo. Quem me garante que estou fazendo certo com o meu filho? Quem fará justiça por este homem, que criou seu filho, que tentou fazer tudo certo? Ninguém. Nem a ele, nem aos pais de Bárbara, porque o pior aconteceu. E, muitas vezes, o pior tem acontecido em famílias de bem. É como o pai diz: o filho destruiu duas famílias. E isso não tem preço, não tem graça, nem sentido algum.
A seguir a carta publicada por Luiz Fernando, o pai, no jornal O Globo:
"Meu filho começou na droga pelo álcool, no colégio, esta droga LEGAL com que a propaganda bombardeia nossas crianças e jovens todo dia, escancaradamente, e que produz milhares de mortes no trânsito, destrói lares, pessoas do bem e é, como se sabe, a primeira droga que os jovens experimentam. A maioria segue pela vida em maior ou menor grau se drogando com ela, o álcool, outros acabam provando das ilegais, sendo que uns fogem delas, outros se viciam numa espiral crescente e veloz. Em geral, passam pela maconha, vão na boca adquiri-la, e os comerciantes, felizes, lhes oferecem um variado cardápio, self-service: cocaína, crack, haxixe, êxtase, ácido...
Sei que há seis anos perdi meu filho para o crack, mas apesar das sequelas e problemas, ele nunca deixou de ser carinhoso e educado com todos, o que lhe granjeou um número sempre crescente de amigos.
Ele passou por várias internações - tinha, desde pequeno, outros problemas mentais que se exacerbaram com as drogas. Sempre que saia das internações ficava bem. Até encontrar os amigos, tomar umas cervejas e ai a coisa saía novamente de controle. Nestes tempos o vício, apesar de grave, ainda não tinha produzidos todos seus efeitos devastadores. Mas, com o tempo e a reincidência, o crack foi o devastando. Nos últimos tempos, dizia-se derrotado para o vício, vivia muito deprimido e voltara a frequentar o NA, Narcóticos Anônimos. Tentei de tudo para convencê-lo a se internar, mas vai pedir para um pinguço largar sua garrafa. É inútil. Ele foi cada vez mais descendo a ladeira. De mãos atadas, fiquei esperando pelo pior ou por um milagre, já que segundo os "especialistas", que ditam as políticas públicas para o tratamento de drogas, o drogado tem de se internar por vontade própria.
A reportagem que o Brasil assistiu esta semana, da mãe que construiu uma cela em casa, para tentar salvar o filho viciado em crack, é bem representativa de como as famílias vítimas deste flagelo estão abandonadas pelo Estado, e se virando à própria sorte. É bem possível que ela seja punida por isso. Na mesma reportagem, uma psicóloga inteligente afirmava que o viciado em crack tem de vir voluntariamente para tratamento. Este é o método correto, segundo a maioria dos que estão à frente das políticas para esta área. Será que essa profissional é incapaz de entender o estrago que o crack/cocaína ocasiona nas mentes de seus dependentes? Será que ela é capaz de perceber o flagelo que o comportamento desses doentes causam sobre as famílias?
Um drogado, ou adicto, que já perdeu o senso de realidade e o controle sobre sua fissura, torna-se um perigo para a sociedade, infernizando a família, partindo para roubos, prostituição e até assassinatos, por surto ou por droga. Esperar que uma pessoa com a mente destruída por droga pesada vá com seus próprios pés para uma clínica é mera ingenuidade destes profissionais. O Estado tem de intervir nesta questão para preservar as famílias e os inocentes. A internação compulsória para desintoxicação e reabilitação destes doentes, que já perderam todo o limite, é uma necessidade premente. Ou será que todas as famílias que vivem esse problema terão de construir jaulas em casa?
Meu filho destruiu duas famílias, a da jovem e a dele, além de a si próprio. Queria sair do vício, mas não conseguia. Eu queria interná-lo à força e não via meios. Uma jovem, a quem ele amava, queria ajudá-lo e de anjo da guarda virou vítima . Se meu filho fosse filhinho de papai, como falaram, eu já teria pago uma ou mais internações. Mas infelizmente o papai aqui não tem grana para isso, assim como a maioria das famílias vítimas deste, que insisto em reafirmar, flagelo.
Hoje vi uma pessoa boa se transformar num assassino, assim como aquele pai de família correto, que um dia bebe umas redondas, dirige, atropela e mata seis num ponto de ônibus.
As drogas, ilegais ou não, estão aí nas ruas fazendo suas vítimas diárias, transformando pessoas comuns em monstros e o Estado não pode ficar fingindo que não vê.
Dizem que vão gastar 100 milhões para equipar a polícia, mas e as vítimas diretas das drogas como ficam? E os jovens humildes atraídos pelos criminosos para seu exército? E os policiais mortos em combate nesta via indireta da guerra do tráfico? Está na hora de acabar a hipocrisia!
Meu filho destruiu duas famílias, a da jovem e a dele, além de a si próprio. Queria sair do vício, mas não conseguia. Eu queria interná-lo à força e não via meios. Uma jovem, a quem ele amava, queria ajudá-lo e de anjo da guarda virou vítima.
Ele irá pagar pelo que fez, será feita justiça, isso não há dúvida. O arrependimento já o assola, desde que acordou do surto do crack deu-se conta do mal que sua loucura havia lhe levado a praticar. Ele me ligou, esperou a chegada da polícia e se entregou, não fugindo do flagrante. Não passarei a mão na cabeça dele, mas não o abandonarei. Ele cumprirá sua pena de acordo com a lei, dentro da especificidade de sua condição.
Este é um caso de saúde pública que virou caso de polícia. Infelizmente, só consegui interná-lo pela via torta da loucura, quando já não havia mais nada a fazer, num surto fatal. Este é um caso de saúde pública que virou caso de polícia. Que a família da Bárbara possa um dia perdoar nossa família por este ato imperdoável. Chorei por meu filho 6 anos atrás. Hoje minhas lágrimas vão para esta menina, que tentou por amor e amizade salvar uma alma, sem saber que lutava contra um exército que lucra com a proibição (que não minimiza o problema, pelo contrário, exacerba), por um bando de tecnocratas e suas teorias irreais, e para um Estado que, neste assunto, se mostra incompetente."
Luiz Fernando Prôa, o pai