A cena era passeio do dia das crianças, que começou cedo lá em casa. No banco de trás do carro, meu filho e mais duas crianças: o Pedro e a Maria Eduarda, ambos com seis anos. O programa era tomar café-da-manhã juntos e aproveitar os novos brinquedos. Mas com miniaturas de gente não dá para fazer previsões. E também não dá para ficar em silêncio. A primeira pergunta veio logo:
Tomás - Mãe, o que eu sou do Pedro?
Parênteses. O Pedro é filho do meu cunhado e enteado da minha irmã. Não sou genealogista. Vou pelo bom senso que é o que me resta neste mundo com poucas regras.
Eu - Primo. Ele é filho do seu tio, então é seu primo.
Tomás - E da Maria Eduarda? Também sou primo?
Segundo parênteses. A Maria Eduarda é prima do Pedro, sobrinha do meu cunhado. Neste momento, eu tentei responder, mas as vozes começaram a se atropelar e o diálogo a seguir ficou bem mais entrecortado.
Eu - Ela é nossa amiga, filho. Prima de coração.
Neste momento, devia ser igual aos filmes e todo mundo ficar em silêncio, com uma música de fundo e o tempo passando do lado de fora. Mas não foi o que aconteceu.
Tomás - Tá, mais e a vovó? Também é vó dela? Ela deu presente para a Duda, sabia?
Meus pequenos companheiros daquele dia têm muitas coisas em comum e também dúvidas e anseios sobre a eternidade dos laços com quem ama. Ambos não moram com o pai e com a mãe juntos e dividem suas agendas mirins em visitas ao pai, à mãe ou à avó. Em algum momento, todos já tiveram madrastas ou padrastos. Quando começam a falar, tentam dar nomes, funções, regras ao que não têm regra. Enquanto tentavam ter certeza se eram primos, se havia um laço que os tornasse para sempre amigos e cuja sombra da separação não ameaçasse, dialogavam aflições e expunham a complexa realidade das famílias do dia de hoje.
O pequeno Pedro, meu recém-sobrinho, mora com a mãe e o padrasto, que chama de pai de criação. A Maria Eduarda mora com a avó e o pai, na mesma rua que a bisavó, no mesmo bairro que a mãe. O Tomás mora comigo.
Pedro - Luisa, eu tenho dois pais, um de sangue e outro de criação. Mas um dia eu vou morar com o meu pai, sabe?
Eu - Sei, Pedro. O papai também te cria, né? Ele ajuda, está presente e quer muito ter você sempre por perto, né?
Pedro - É, eu quero morar com ele um dia.
Tomás - Eu não quero não!
Eu - Às vezes, quando a gente é pequeno, é melhor estar perto da mãe da gente. Mas isso não quer dizer que a gente não possa ficar com o pai, né? Vocês têm pais que gostam de vocês, mas é que as mães são muito importantes. (Tentando desfazer um nó imaginário de abandono ou qualquer coisa semelhante e fazendo outro nó maior ainda).
Maria Eduarda - Só eu que não moro com minha mãe. Eu também queria morar com ela. Tipo assim: às vezes, ela podia cuidar de mim. (Atou as pontas a falante Maria, para quem eu não teria nenhuma resposta).
Eu - Mas você vê sua mãe a hora que quer, né, Maria? E tem várias pessoas que te amam muito?
Finalmente, chegamos. Coloquei os três para carregar sacolas e tudo mais que tinha no carro, para que se ocupassem reclamando do peso, enquanto meu coração aos pedaços e com bem mais do que os 20 quilos de cada um, pesasse o dia todo.
Me explica se um pobre genealogista poderá explicar aos herdeiros de Maria Eduarda e Pedro em 2100 que, na árvore deles, existiam algumas pessoas cujos nomes estavam além dos laços sanguíneos e das explicações plausíveis sobre o que significa ser família no começo deste século.
Tomás - Mãe, o que eu sou do Pedro?
Parênteses. O Pedro é filho do meu cunhado e enteado da minha irmã. Não sou genealogista. Vou pelo bom senso que é o que me resta neste mundo com poucas regras.
Eu - Primo. Ele é filho do seu tio, então é seu primo.
Tomás - E da Maria Eduarda? Também sou primo?
Segundo parênteses. A Maria Eduarda é prima do Pedro, sobrinha do meu cunhado. Neste momento, eu tentei responder, mas as vozes começaram a se atropelar e o diálogo a seguir ficou bem mais entrecortado.
Eu - Ela é nossa amiga, filho. Prima de coração.
Neste momento, devia ser igual aos filmes e todo mundo ficar em silêncio, com uma música de fundo e o tempo passando do lado de fora. Mas não foi o que aconteceu.
Tomás - Tá, mais e a vovó? Também é vó dela? Ela deu presente para a Duda, sabia?
Meus pequenos companheiros daquele dia têm muitas coisas em comum e também dúvidas e anseios sobre a eternidade dos laços com quem ama. Ambos não moram com o pai e com a mãe juntos e dividem suas agendas mirins em visitas ao pai, à mãe ou à avó. Em algum momento, todos já tiveram madrastas ou padrastos. Quando começam a falar, tentam dar nomes, funções, regras ao que não têm regra. Enquanto tentavam ter certeza se eram primos, se havia um laço que os tornasse para sempre amigos e cuja sombra da separação não ameaçasse, dialogavam aflições e expunham a complexa realidade das famílias do dia de hoje.
O pequeno Pedro, meu recém-sobrinho, mora com a mãe e o padrasto, que chama de pai de criação. A Maria Eduarda mora com a avó e o pai, na mesma rua que a bisavó, no mesmo bairro que a mãe. O Tomás mora comigo.
Pedro - Luisa, eu tenho dois pais, um de sangue e outro de criação. Mas um dia eu vou morar com o meu pai, sabe?
Eu - Sei, Pedro. O papai também te cria, né? Ele ajuda, está presente e quer muito ter você sempre por perto, né?
Pedro - É, eu quero morar com ele um dia.
Tomás - Eu não quero não!
Eu - Às vezes, quando a gente é pequeno, é melhor estar perto da mãe da gente. Mas isso não quer dizer que a gente não possa ficar com o pai, né? Vocês têm pais que gostam de vocês, mas é que as mães são muito importantes. (Tentando desfazer um nó imaginário de abandono ou qualquer coisa semelhante e fazendo outro nó maior ainda).
Maria Eduarda - Só eu que não moro com minha mãe. Eu também queria morar com ela. Tipo assim: às vezes, ela podia cuidar de mim. (Atou as pontas a falante Maria, para quem eu não teria nenhuma resposta).
Eu - Mas você vê sua mãe a hora que quer, né, Maria? E tem várias pessoas que te amam muito?
Finalmente, chegamos. Coloquei os três para carregar sacolas e tudo mais que tinha no carro, para que se ocupassem reclamando do peso, enquanto meu coração aos pedaços e com bem mais do que os 20 quilos de cada um, pesasse o dia todo.
Me explica se um pobre genealogista poderá explicar aos herdeiros de Maria Eduarda e Pedro em 2100 que, na árvore deles, existiam algumas pessoas cujos nomes estavam além dos laços sanguíneos e das explicações plausíveis sobre o que significa ser família no começo deste século.
um desafio e tanto, minha amiga. tão grande quanto o nosso de fazer e desfazer nós...
ResponderExcluirAdoro esses papos... e me divirto com a aflição de vocês... O que será que aconteceria se vocês respondessem sem tentar adivinhar enigmas embutidos nas perguntas?
ResponderExcluirNossa Luisa, meus olhos se encheram de lágrimas ao final do seu texto. Eu também venho de uma família toda torta, mas reta demais no amor, e entendo a aflição dessas crianças. Infelizmente, nessa idade ainda é necessário entender algumas coisas com o raciocínio mais lógico, tentando pegar atalhos e pontes que as levem a um lugar comum.
ResponderExcluirO que me deixa tranquila é que daqui uns anos eles só terão a certeza de que as pessoas que estão a sua volta os amam, independente de terem seus postos bem definidos na árvore genealógica.
Parabéns pela sensibilidade do texto!
Luisa...que que isso?
ResponderExcluirembasbascado estou com seu texto. Especialíssimo. Devia ir para um livro didático.Mas eu vou embora e outra hora volto para comentar mais. Vc me deixou passado de poesia.
beijos