segunda-feira, 14 de junho de 2010

Acreditar





Acreditar: dar crédito a, crer, ter como verdadeiro, aceitar.



Na minha criação, sempre foi forte a dúvida. Meu pai, dia domingo, em frente à televisão, duvidava dos sorteios realizados na televisão. Dizia sempre:

- É marmelada! Tudo enganação.

Eu me limitava a não sonhar com prêmios instantâneos para solucionar problemas reais.

Minha mãe, na sua experiência de muitos anos de vida, sempre duvidou de verdades construídas no caminho da escola para casa, na justificativa de uma falta ou de uma nota não tão bonita.

- Minha filha, eu te conheço só de olhar!

E eu não era crível, nestes momentos. Então, desmoronava tudo aquilo que eu podia acreditar.


Foi assim que ganhei uma boa dose de descrédito. Passei, no geral, a não acreditar. Antes de formar uma certeza, vinha a dúvida. Será que é isso mesmo? Será que vai dar certo?

Ao descrédito, se somou uma dose boa de pessimismo, talvez advinda da minha conjunção astral: peixes com ascendente em sagitário, talvez fruto de uns tropeços fortes que me fizeram rolar no chão, talvez porque eu precise lidar com o concreto para não ceder às minhas fantasias.

Foi daí que criei o hábito de, diante do sorriso sincero de alguém, semear uma dúvidazinha, às vezes tão sincera, mas sentida de forma tão cruel por quem a escuta.

- Será que isso vai dar certo? Melhor você ficar atento para não se iludir.

Quando vejo, eu já disse. Já pensei em todas as coisas horríveis que a pessoa pode passar por acreditar demais. E se ela perder algo, alguém, chorar, sofrer, morrer por uma ilusão.

Na minha cabeça, lá vem o Chico Buarque, cantando:

- Ilusão, ilusão, veja as coisas como elas são.

O pobre ao lado vê seu sonho dourado, cultivado em noites de muita fé, descolorindo diante da minha descrença. E, nesta hora, me sinto um vírus devastador, que não escolhe suas vítimas, e corrói a esperança alheia no meio de uma conversa.

Acho que fiz isso tantas vezes que me cerquei de descrença ou talvez, aqueles que estão ao meu lado, desistiram de declarar suas crenças, seus sonhos, suas certezas. E eu fui me sentindo vazia... Vazia de não acreditar no dia seguinte.

De uns tempos para cá, diante da falta de fé geral ao meu lado, estou sentindo falta de acreditar. Tento, diariamente, não acionar este botão vermelho, item de fabricação familiar, e acompanhar sonhos alheios sem tanto questionar.

Tento encontrar em mim um pinguinho da certeza de uma menina de 8 anos, que queria ser dançarina, e não via problema em não ter nenhum ritmo ou talento para tanto. Tento encontrar em mim a mulher, que ao se deparar com uma gravidez inesperada, tinha certeza que tudo daria certo, mesmo que isso fosse improvável. Porque sem sonhos, sem certezas, sem fé, não dá para seguir. E, nestes dois momentos, acreditar no impossível tornou a realidade menos dura e eu segui. Agora, preciso de novo seguir.

Se um dia eu te perguntei “será” e plantei uma dúvida nos seus sentimentos, me desculpe, sinceramente. Perdoe a minha descrença e se puder, divida comigo novamente o seu acreditar, porque é com ele que a vida brilha e é com ele que vamos chegar.

Vou mudar de trilha:


Agora, para mim, a menina dança...



2 comentários:

  1. Está desculpada, rsss. Me desculpa, também, por tamanha descrença minha?

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  2. Oi, Luisa.
    Te leio há um tempinho (nem me lembro mais como cheguei até aqui...) e nunca tive ânimo de comentar. Mas preciso registrar que esse post me comoveu muito, porque me identifiquei bastante nele.
    Também fui educada na descrença, desconfiança até, e hoje vejo que não consigo receber sequer um elogio sem achar que há algum motivo por trás e, muitas vezes, externo isso. Muito desagradável... A falta de fé, o pé atrás, o olho aberto enquanto ambos deveriam estar fechados nos tira muito o brilho da vida.

    Obrigada, de verdade, pelo texto.

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