Quando encontro uma flor cor de rosa sem moda que sai brotando pelas paredes e sobe nos muros até alcançar o céu, ganho passagem gratuita para a casa dos meus avós, onde passei as melhores férias da minha infância e onde guardei meus melhores sonhos. Foi assim no começo desta semana de sol, virando uma esquina, me deparei com um pé de Mimo do Céu, fazendo sombra e cor em uma rua qualquer.
Olhando aquelas flores, salientes e agrupadas, voltei a ter seis anos, os pés no chão e um medo famigerado da bengala de Dona Ana, minha avó. O casarão, com quatro enormes quartos sem forro, com janelas de madeira e um grande pátio é o lugar onde descansa a minha memória de pequena, de quem pulava a janela da cozinha para ir direto à ladeira que seguia até o rio Tocantins.
Descia descalça, apesar da dor causada pelas pedras, apenas para não ter nada a carregar depois. Apenas grande, peguei mania de sempre estar de mãos e cabeça ocupada. Neste tempo, apenas descia para encontrar a água serena do rio, onde mergulhava e encontrava a paz de dias que nunca passavam.
Passava o dia ali construindo castelos de areia molhada e pulando da pedra mais baixa, porque me carecia idade para escolher a mais alta. Quando o dia era diferente, pegávamos uma “voadeira”, o vento na cara e o destino certo, uma ilha de areia branca e barraquinhas de palha, onde ficávamos até o sol ameaçar sumir, nadando em água rasa e brincando de conquistar novos horizontes, tão possíveis ali.
Na volta para casa, a ladeira acima sem os chinelos era sempre dolorida e reclamada, centímetro por centímetro. Pensava em construir ali uma escada rolante ou guindaste para carregar o meu corpo cansado de tanta água e tanto sol. Mas eu tinha que vencê-la dia a dia se quisesse descer e eu vencia.
Então chegava lá, no topo, onde a janela da cozinha me esperava, se minha avó não estivesse por lá. Se estivesse, ganhava um jarro de água nos pés sujos e a ordem de entrar pela frente, como gente e não como gato que se arrisca em janelas.
Mais uns degraus e lá estava em casa. Era hora de correr para o chuveiro e vestir roupa decente, porque de biquini ninguém se sentava à mesa. E se sentar à mesa era honra querida e valia o sacrifício de enxaguar o corpo na água fria do tanque ou no chuveiro embaixo da caixa d’água, cuja força da água levava qualquer grão de areia.
Eu sempre preferi o tanque, onde o Mimo do Ceú fazia sombra para os banhos mais demorados e de onde era possível conferir a conversa que vinha do pátio e eram sempre boas conversas, regadas a muitas risadas e lembranças.
Terminado o banho, ia eu arrumar lugar para dividir a fartura daquela mesa, posta com o que tinha de melhor na casa. O fogão à lenha, os potes de barro para esfriar a água, as panelas areadas como prata, os pratos de esmalte, a galinha ao molho recém-falecida eram coadjuvantes das mãos firmes de minha avó.
As mesmas mãos que davam o tom à voz de bronca aos netos que se pareciam com gralhas, que temperavam a comida mais gostosa, que secavam os seus olhos na hora da partida e que cultivavam toda a beleza de um mimo que só se vê no céu me fazem falta agora, quando careço de coragem para subir ladeira.
Que a memória destas mãos venha ao meu socorro quando eu não souber o caminho a seguir. Saudades...
Amando a humanidade
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Acho que ser homem, pai, marido, adulto do sexo masculino já foi mais
fácil, mas não tinha graça. Confinados em seus clubes, escritórios, saunas,
bordéis,...
Há 9 anos
Querida, charmosa Luisa um mimo mesmo ficou o seu texto. Redundância ou ao quadrado? Dois mimos a leve trepadeira de cor rosa que também tinha na tela do quintal da casa de vovó Aurora lá em São Luis de Montes Belos e outro é o seu texto, sua escrita poética carregada de nostalgia boa e calorosa de afetos.
ResponderExcluirObrigado por esse mimo em final de tarde de terça-feira nesse janeiro carregado de saudades de tanta gente que já não estão mais por perto...
beijos
lú,
ResponderExcluirvc, como sempre, me faz viajar no tempo!!!
posso sentir o cheiro, imaginar o local!!
vc descreve com riqueza de detalhes.... muito bom!!!
bjks
Ai que saudade desse casarão! Lindo texto, Luisa!
ResponderExcluirBeijos
Amor, lindo seu texto.
ResponderExcluirCom a mesma maestria que tece sua cuidadosa arte, tece palavras belas que promovem remendos em corações esburacados pela nostalgia.
Eu, quando sinto o cheiro de "Dama da Noite" lembro da minha infância no Privê Atlântico.
O cheiro de café me faz lembrar dos pátios das fazendas de Barretos, cobertas do fruto secando.
Cheirinho de baunilha, um novo significado.