sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

17 de fevereiro


17 sempre foi meu número favorito.

Por um triz de segundos não nasci na data e fui cair lá em um dia 18.

Agora 17 é referência da saudade, repetição, recomeço, refazer das malas.

Quatro vezes. E a vida ainda demora a ganhar.

Quanto tempo dura uma saudade?

A cada dia me distancio mais dos meus cinco anos e a cada dia me lembro com mais clareza daqueles dias.

Me lembro da janela pronta para pular, do nosso baú azul, da antena de TV ajeitada com um bombril, dos móveis de madeira do quarto da boneca, do uniforme amarelo.

Fico horas a divagar em cenas corridas na mente. A mordida do cachorro, a bicicleta também azul, a máquina fotográfica, os abacates enterrados na areia, o monte de revistas, o medo, a gargalhada, o tempo.

Viagem que se faz de volta nunca é tão rápida como a ida. Se demora mais a chegar.

Quando volto lá atrás, me encolho, viro pequena. Sou filha e não, mãe. Debruço em cadernos antigos para reler palavras soltas, choro dores ancestrais, peço colo, bendigo presenças ausentes, ainda pulo, ainda grito.

Mas não chego nunca onde gostaria de chegar. A viagem ao seu encontro não tem fim. É doce, mas às vezes dura. É amorosa, mas destes amores que se vive só. É perigosa, posto que é na contramão da vida.

Volto para os 20 poucos anos que um dia tive. Cabelos mutantes. Desejos também. Ideias organizadamente dispersas. Certezas tão incertas como a chuva. Paletó xadrez. Vestido azul.

Fico horas a dançar de novo contigo a valsa da minha formatura. Seus olhos vermelhos. Minhas dúvidas. A música que alegra. Os meus sonhos românticos. O começo do fim.

Acelero. Descompasso. Abro a caixa. Olhos as fotos. Revejo você no meu mar de lamentos. Refaço histórias e dou a elas o significado do meu amor. Livre autoria para o sentimento que nunca terminou.

Dou respostas por você. Invento nossas verdades. Te compro uma flor. Te rezo um terço. Ouço tuas músicas.

Me refaço das lágrimas e sigo o caminho de quem já passou.

Se você pudesse ouvir, pai, te diria sobra a falta que você me faz e como 17 ainda é o meu número favorito, por ser dia de encontrar as tuas memórias.

*Caetano e a música que embalava nossos passos.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Condicionário

Tenho um projeto de homem em casa, sagitariano, firme, nem sempre valente, tagarela, alegre e voluntarioso. Para ele, as horas não foram feitas para serem atendidas, mas para atendê-lo. Então, enquanto a mãe gostaria que ele adiantasse as atividades, ele gostaria de alongá-las, em especial, àquelas que o fazem gargalhar.

Para cada ordem bem dada (e uma mãe com ascendente em sagitário também o sabe fazê-lo) há uma firme vontade de questioná-las, revidá-las, burlá-las, refutá-las, esquecê-las, negligenciá-las. E para cada desdém, uma pequena guerra se arma no seio familiar: “porque você não fez a tarefa, porque você não limpou a pia, porque você não amarrou os cadarços, porque você não terminou o almoço, porque você não me atendeu”.

E para cada porque, uma porção de perguntas e intermináveis ideias de como poderia ser uma boa negociação entre os grandes e pequenos. “Mãe, mas ainda falta meia hora para começar a aula, não posso tomar banho depois?”; “Sabia que na Itália não se come arroz?”; “Mãe, eu também me esqueço das coisas, ou acha que é só a vovó?”.

Mas como não dá para ceder à sedução do pequeno insolente, é preciso ensinar a lição mais difícil e mais simples da vida. “Toda ação produz uma reação”. E dali brinquedos recolhidos, desenhos suspensos, tarefas refeitas, pedidos de desculpas, lágrimas e trepidações nos corações de ambos.

Eis que, dia desses, depois de assistir a uma aula de karatê impagável com os lutadores mais insubordinados do tatame, eu lhe avisei que não teria como liberá-lo para ir à casa de um colega.

- Não é possível!

- Meu filho, estamos em pé de guerra e você quer passear? Vamos ver se você consegue fazer a tarefa de casa direito para depois voltarmos ao assunto, certo?

- Ah mãe, aí você exagerou no condicionário!!!

Educar os filhos com equilíbrio, sobriedade e eficiência é o sonho de todas as mães. Mas nem sempre é possível. Exageramos, invertemos prioridades, erramos, mas não podemos nos esquecer de que a única ação que não requer condição é o amor, incondicional aos filhos. Amor que deve ser suficiente para suspender as negociações quando necessário, mas para torná-las ferrenhas diante de uma intuição mais forte. Sigo tentando aliviar no condicionário, enquanto ele segue tentando evitá-lo.

(A tarefa bem feita cumpriu o propósito de lhe garantir liberdade “condicional” para ir na casa do colega).





segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Salário maternidade


Era noite de domingo, calor lá fora, estrelas brilhando no céu, jornada de carinho vivida intensamente com quem se ama  e em noites assim, um menino de oito anos costuma pedir para dormir na minha cama. E como uma amiga querida me disse que eu devia aceitar, porque logo ele não pedirá mais, eu às vezes aceito.

E é lá na imensidão da cama, com o céu a nos vigiar da janela, entre uma página e outra do livro lido em conjunto, que ele me diz:

- Eu acho que o governo deveria pagar um salário para você ser mãe.

- É mesmo? E por quê?

- Porque mãe tem muito trabalho, tem que cuidar do filho, das coisas do filho, das coisas da escola, das coisas dos amigos do filho. Tem que levar no médico, lavar a chuteira, ensinar a ser educado. E tudo isso é muito importante.

- Sim, eu concordo. Devíamos mesmo ter uma ajuda grande para cuidar de vocês.

- Afinal, eles não dizem que as crianças são o futuro do país?

- Eles dizem... E este salário seria até quando?

- Hum... Até o filho ter 40 anos, acho que está bom.

 Nunca sei como terminar os diálogos com o Tomás, então deixo no ar, até que ele venha me perguntar sobre como surgiram as estrelas, o que farei amanhã cedo ou porque “o céu é assim”.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Recomeço

Estes dias têm sido de recomeço em casa. Depois das férias, é hora de voltar ao trabalho, levar a criança na escola, acompanhar as tarefas de casa e... falar com ele sobre a disciplina.

Logo ao voltar para a sala de aula, agora no 3° ano, diante da minha orientação sobre bom comportamento e sobre como se apresentar à nova professora, Tomás me diz:

- Mãe, não se preocupe que se o primeiro dia for bom, todos os outros serão.

O primeiro dia foi ótimo. Ela deixou que ele se sentasse ao lado do amigo, direito perdido em 2011. Então, voltei as recomendações para que ele não conversasse tanto, ouvisse bem a professora e se comportasse para garantir o lugar conquistado pela benevolência da primeira impressão.

Então, depois de cinco dias de aula, eu pergunto:

- Filho, está controlando a conversa em sala?

- Sim, mãe, mas tá difícil me controlar.

- Ô, meu bem, você precisa prestar atenção na aula.

- Eu sei. Tô pensando em escrever uns bilhetes quando me der vontade de conversar com os meus amigos. Você me dá um bloquinho?

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A lista


Nunca sabemos quando seremos visitados por uma lembrança e este é um dos maiores espetáculos da vida. No meu penúltimo dia de férias e na véspera do Tomás voltar para casa, fomos juntos à escola. Além de conhecer a nova professora, eu precisava explicar a ela que os materiais escolares do pequeno chegariam com um ou dois dias de atraso, porque estavam na responsabilidade do pai e eu acabava de chegar de viagem.
Então, ela me deu a lista atualizada dos materiais para que eu checasse antes de levá-los para a escola, o que pudemos fazer horas depois com a chegada das sacolas com os itens solicitados. Mas, diante da lista, só o que pensei foi naquele cheiro da máquina xerográfica me fez lembrar os meus 8 anos. Ah, como era bom percorrer os olhos naquela lista e esperar que minha mãe cuidasse para que tudo estivesse lá na véspera do começo das aulas. Eu gostava tanto que lia até a lista das outras séries, em especial os diferentes materiais de artes. E quando chegavam, ah, que festa! Eu me lembro de percorrer as mãos em cada página de livro, de namorar os lápis coloridos, de enfileirar os cadernos, pensando que no futuro queria mesmo era ter uma papelaria.
Naquele tempo, eu acreditava que a papelaria era o lugar onde tudo era novo e adorava o cheiro e as cores organizados nas prateleiras deste tipo de comércio. Como bem lembra minha mãe, as opções em Goiânia eram poucas, Casa do Colegial, Maçã Verde, Casa do Estudante. E se os preços  e o volume de pedidos hoje assustam os pais na hora de fazer as compras, na época, devia ser bem pior. A inflação carcomia o salário, o 13° e as economias dos responsáveis por manter os suprimentos em dia dentro de casa.
Mas eu, com 8 anos, não queria saber de nada disso. Aquele era o único momento do ano em que eu recebia, ao mesmo tempo, várias coisas novas. E então, antes que as aulas começassem e tudo se tornasse o banal de todos os dias, eu vestia em cada livro, lápis e caderno uma embalagem imaginária de presente e me vestia de aniversariante fora de época. Era só o dia começar para que tudo ficasse esparramado em cima da cama e fosse admirado por vários ângulos.
E hoje, já com os livros do Tomás prontos para serem encapados, dividi com ele esta sensação de prazer pela novidade, pelo que será vivido nos próximos meses da vida dele, pelo que nos é tão caro na educação dos nossos filhos e muitas vezes tão pouco compartilhado. Folheamos os livros e imaginamos o que virá. E que venha para fazer história na vida dele e possa um dia ser uma bela lembrança. 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Pequeno filósofo


- Mãe, o que acontece depois que a gente morre?


- Filho, eu acredito que a gente faz uma viagem para outro plano, um lugar melhor, mais bonito, onde Deus habita.

- E você acredita que o vovô tá viajando ou já chegou lá?

- Ah, filho... Com certeza, ele já está lá.

- É (pensativo)... Na vida, duas perguntas importam: como é e como vai ser?

Vai encarar o meu filósofo mirim? Eu, por aqui, estou tendando responder.
 
*Escultura em alúminio do arte-educador Professor Sassá em sua
versão para a obra "O Pensador", de Rodin.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Lista 2012

Impossível resistir a tentação de fazer uma lista no começo de ano como resisti no ano passado. Em 2011, tentei responder as muitas perguntas de um filho que continua crescendo  e da vida sempre grandiosa à nossa volta. Foi, assim como previ, um ano de muitas respostas. Nem sempre boas, nem sempre honestas, nem sempre felizes. Mas respostas que me fizeram mais inteira.


Agora é tempo de olhar para o novo, mesmo que a mudança maior esteja na nova agenda, na nova folha do calendário, no nome da nova professora. Há que se ter esperança que não é apenas o ano que muda, mas que aqui dentro uma esperança fundamental me permitirá executar muitos planos. E se tiver uma ajudinha de um sal grosso para jogar longe o mau olhado será melhor ainda.

Lá vou em em 2012, tentar:

- Cuidar de quem eu amo tendo mais zelo do que os ponteiros do relógio;

- Contemplar o entardecer;

- Caminhar;

- Sentir o sabor do sorvete favorito, do almoço esmerado da minha mãe, do pão mais crocante, do drink do meu amor;

- Inverter o tempo para priorizar o que é importante: afeto, carinho e cuidado;

- Desligar sempre que possível, porque bateria de gente também termina;

- Fazer uma faxina nas prateleiras, gavetas e armários da casa e da vida. Às vezes é preciso deixar ir o que não mais edifica, o que não mais faz sentido. E eu, pisciana do último decanato, preciso aprender o sentido da palavra desapego;

- Viajar até nas páginas de um bom livro;

- Ler para o filhote, que cada dia precisa menos de mim para esta tarefa;

- Fazer arte sem encomenda, apenas para quem eu amo;

- Dar as mãos;

- Erguer um castelo;

- Escolher o perfume ideal para um novo momento;

- Agradecer, agradecer e agradecer.