quarta-feira, 10 de março de 2010

Lá na Praça de Maio…

Quando eu for à Buenos Aires, irei visitar a Praça de Maio. Vou sentar lá e observar as avós que tomaram conta do lugar e vou pensar no que vivi desde 1977, quando nasci e quando elas se instalaram por lá. E vou pensar que quando eu fui a primeira vez à escola e minha mãe se emocionou ao me ver vestida com meu uniforme amarelo, outras 500 crianças, nascidas naquele mesmo período, estavam indo à escola também, de mãos dadas, com quem tirou delas o direito à verdade e à identidade.

Este ano, as avós da Praça de Maio da Argentina encontraram o centésimo neto desaparecido entre os anos de 1977 e 1983, durante a ditadura militar instalada naquele País. Francisco Madariaga Quintela, filho de Silvia Monica Quintela e Abel Pedro Madariaga, ambos militantes de uma organização guerrilheira, reencontrou seu pai, depois de 33 anos de vida. Reencontrou, como disse,com sua vida, com o seu passado.

Francisco viveu 33 anos com uma mentira e com vários mentirosos. Francisco se chamava Alejandro, morava com o pai militar e a mãe dona de casa e com os irmãos. Francisco não se sentia em casa, não se sentia à vontade na própria pele, não se sentia completo.

Abel perdeu Silvia, em 1977, morta depois do nascimento do seu primogênito. Abel foi exilado e voltou ao País só em 1983. Abel procurou o filho, procurou seu pedaço, procuro preencher um vazio que não lhe era tolerável.

Mas foram precisos mais de 30 anos para que se reencontrassem. Quando Francisco e Abel se abraçaram, o filho disse ao pai: eles não podiam! É. Eles não podiam. Eles não podiam tirar um filho dos seus pais, tirar uma filha de sua mãe, tirar o futuro de uma jovem médica, tirar o amor de um homem por uma mulher.

Quando eu for a Argentina, eu não irei ver nem Francisco, nem Abel, mas ficarei feliz por saber que, no País vizinho, crimes de sequestro não prescrevem, avós não desistem nunca e reencontros são sempre possíveis. Porque, às vezes, me aniquila saber que pais não reencontram seus filhos, que alguns crimes deixam de ser penalizados e que, por força da ocasião, algumas pessoas simplesmente desistem.



P.S. Voltarei a contar as histórias do pequeno, nos próximos dias, assim que a melancolia sair deste corpo. E assim que a voz, o olfato e o paladar voltarem a este corpo.

P.S. 2 Fotos das avós na Praça de Maio e de Sílvia, antes do seu desaparecimento.

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