… quero acertar sempre a receita do bolo, mas se errar, quero dar de ombros.
... quero tricotar casaquinhos para os meus projetos de bisnetos.
... quero admirar as fotos das minhas viagens em família e dizer que não preciso mais voltar em nenhum daqueles lugares. Quero ter seus mapas no meu coração.
... quero fazer uma festa linda para comemorar os meus 70 anos e cada um dos dias que virão depois.
... quero receber mimos diariamente, apenas porque terei 70 anos e isso é muito nos dias de hoje.
... quero ser perdoada por qualquer excesso ou preocupação desmedida, porque vão compreender que já vi e já sofri o suficiente.
... quero ser ouvida duas ou três vezes no relato da mesma história, mas que é a minha história e é a que me faz feliz.
... quero furar o dedo na roseira que terei no quintal da minha casa, uma casa que terá o meu cheiro e o meu jeito depois de muitos anos dentro dela.
... quero saber quando vai chover só de olhar o céu.
... quero não enfrentar fila de nada, mas de nada mesmo, porque não terei mais nenhum tempo para perder.
... quero reconhecer nos meus filhos (ampliarei a prole até lá) a angústia dos meus 30 anos e saber que cada um deles irá passar por isso para se tornar melhor.
... quero me permitir ter tantas músicas preferidas quantos são os meus anos;
... quero dançar o ritmo do meu tempo, colada a quem eu amo, sabendo que o compasso ainda está no peito;
... quero ainda achar bom sentar no sofá com um balde de pipocas só para mim;
... quero não precisar mais chorar escondido, reclamar escondido, temer escondido. Vamos combinar que esconde-esconde é para a infância? Na velhice, quero assumir tudo.
... quero ver a lua cheia ou minguante, não me importa, quero contemplar sem esperar nada;
... quero ter saudades, muitas saudades, de quem se foi. Mas uma saudade que não doa como hoje, que não martirize como um dia. Quero sentir saudades como uma forma plena do amor;
... quero ter muitos gatinhos e trocar todos os seus nomes e os dias que estão por ali. Quero poder implicar com eles, pela sujeira que fazem, pela bagunça que aprontam, apenas para poder implicar, porque implicam demais com aqueles que são velhos.
... quero ligar para minha irmã e tratá-la como uma criança que nunca cuida daquela gripe, que teima demais quando vai ao médico e que não me obedece nunca. E com isso me sentir de novo uma irmã mais velha, uma criança crescida;
... quero jogar buraco com minhas amigas, nas quartas, impreterivelmente e quero difamar aquela que se ausentar, dizer que ela é uma velha, que se apoquenta com qualquer problema de filho;
... quero fazer hidroginástica (bem antes disso também) com uma tradicional turma, com quem irei trocar receitas, fofocas sobre a política e as histórias de seus maridos ingratos com a certeza de que, em casa, terei um companheiro com o qual vou dividir os gratos dias que ainda me restam;
... quero rir até chorar dos dias em que fiquei triste demais, em que não acreditei, em que achei que não ia dar;
... quero ser chamada de vovó por uma porção de gente, filhos dos filhos, filhos dos amigos dos filhos;
... quero ter a bênção de reconhecer Deus no fato de respirar e ter com ele diálogos muito verdadeiros sobre o nosso encontro.
Assim quero que seja, sem vírgulas fora do lugar. Então, quase no meio deste caminho, vou colocando os tijolinhos que faltam para eu chegar lá. Ainda faltam muitos, eu sei, mas não é de hoje que estou batalhando.
Esta semana que chega assim com o frio do junho já anunciado, a mãe de uma amiga completa os seus 70 anos. Não sei como ela se sente, mas queria dividir com ela o que sinto ao vê-la em idade tão madura. Sinto assim que deve ser bom, mesmo que só, que deve ser mágico se sentir prolongada na vida de outras pessoas, que deve ser sábio saber mais do que qualquer um de nós. Mas para não perder o encanto do que espero para os meus 70... não vou perguntar. Vou imaginar, porque aos 30 isso pode ser saboroso.