quinta-feira, 13 de maio de 2010

Brasileiros, mesmo longe de casa






Minha mãe foi criada rodeada de seis irmãos, no interior de Goiás, hoje estado de Tocantins. Naquela época não havia energia, nem televisão, mas o rádio era item indispensável para acompanhar as transformações da política brasileira e... do futebol. Sim. Rodeada por uma família onde homens estavam em maioria, minha mãe seguiu a tradição familiar e tomou gosto pelo futebol. Todos torcedores fanáticos do Botafogo por causa das façanhas de um Mané Garrincha, que tinha um pouco daquela família: ginga, sobrevivência e garra, muita garra. Em meados dos anos 50, o irmão mais velho de minha mãe, Hosterno Pereira, fundou o Botafogo de Porto Nacional, em homenagem ao time carioca, que nunca vira jogar ao vivo.

Já meu pai, nascido na fronteira com o Uruguai e criado nos pampas, se entendeu criança como gremista em uma família de torcedores do Internacional e brizolistas. Era do contra desde pequeno. Tão do contra que em vez de atacante, posição mais almejada em um time, tinha vocação para goleiro. Continuou assim, goleiro no futebol, e atacante na vida. A opção pelo time azul e branco lhe rendia piadas entre os irmãos, mas lhe dava orgulho a cada toque do hino gremista.

A paixão pelo futebol sempre foi coisa sagrada na família que os dois formaram. Assistir partida de lado de um ou de outro sempre exigiu silêncio. Acompanhar o sofrimento da minha mãe, que na hora H, sai da sala para não ver, é sempre uma penitência. Lembrar dos palavrões que saíam da boca do meu pai, um homem contido, é até engraçado.

Em 1974 e em 1978, meus pais assistiram a participação do futebol brasileiro na Copa bem longe de casa. Para se arranjarem no frio belga e não perder nenhum lance da seleção canarinho, em 74, se juntaram a outros dois casais de exilados e faziam visitas programadas ao apartamento de um casal de belgas, solidários à paixão dos brasileiros. Em 78, eles fizeram uma vaquinha entre brasileiros, chilenos e argentinos para alugar uma televisão, item que não fazia parte da realidade dos exilados destes Países. Ela foi colocada em uma casa de apoio aos latinos americanos, onde eles se revezavam para anotar os resultados das partidas. Os argentinos, em um primeiro momento, foram contra. Queriam se rebelar contra a pátria, que os havia banido, mas que foi campeã em 1978. Mas, depois de alguns diálogos, mesmo banidos, chegaram a conclusão que mantinham dentro de si a pátria, porque esta mora dentro do nosso peito, me ensinaria mais tarde minha mãe.

Assistiram a cada lance dos jogos entre gritos e afobações. No cardápio, muita feijoada, saudade e caipirinha da boa. As derrotas soaram amargas com um virtuoso Maradona fazendo arte com os pés. Que saudades de casa! Minha mãe dizia que ouvir o hino, fora da pátria, era momento de oração para cada brasileiro que se encontrava ali. O sonho: voltar para casa. O projeto: fazer a casa voltar a ser uma pátria democrática.



Nestes dias em que nos preparamos para mais um campeonato, discutimos com o gaúcho Dunga, conterrâneo do meu pai, a quem ele tinha extrema admiração. É a primeira Copa sem meu pai por aqui. Meu filho coleciona figurinhas em um álbum que escalou o time antes do técnico. Minha mãe checa os horários para não marcar nenhum médico no horário dos jogos e reclama da ausência dos meninos da Vila no time. Chego em casa e os dois me entregam uma bandeira brasileira.

- Para colocar no carro, mãe!

- Claro, filho!

Quando damos a primeira volta com a verde e amarela tremulando no vento das ruas, o Tomás diz:

- Mãe, você consegue sentir uma coisa diferente no seu peito?

- O que, filho?

- Um amor, mãe.

- Amor?

- Um amor por ser brasileiro.

Sim. Ele está aqui, na pátria e sabe que ela não é um espaço geográfico, é um sentimento cultivado dentro do peito.

4 comentários:

  1. E é mesmo. E é bem isso. É no peito. E enche a gente! E nos faz querer comprar bandeiras e camisas amarelas. E nos faz querer estar de férias pra não perder nenhum lance.

    E sabe que eu sempre achei que as mulheres ficam muito mais interessantes e bacanas quando elas curtem futebol, tem um time do coração, assistem aos jogos, se informam...

    Preciso de uma bandeira.

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  2. dia desses vi essa bandeira no seu carro e achei tão engraçado não saber desta sua paixão por futebol apesar do nosso tempo de convivência.
    que dengo era aquele do Tomás no seu colo hoje na escola?
    bjos,
    Cris

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  3. Só mais uma coisa: eu sinto um orgulho enorme de você (engraçado isso!) quando você conta essas histórias de família, da sua brava família brasileira. Amor e reconhecimento da história são nomes para isso.

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  4. Querida, lindíssimo texto. Esse amor que a gente sente no peito é o que nos torna irmãos na pátria. Vou ver se escrevo algo sobre isso, seu texto me inspirou. Beijo grande! Viva o povo brasileiro!

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